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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

XVIII - AS QUATRO INDISPENSÁVEIS QUALIDADES

Parte XVIII

AS QUATRO INDISPENSÁVEIS QUALIDADES


Uma Igreja Missionária





"E, servindo eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando, e orando, e impondo sobre eles as mãos, os despediram" (At 13.2,3). 



Como deve ser caracterizada a igreja evangélica brasileira em seu propósito de ser uma igreja verdadeiramente missionária no Brasil e no mundo? Biblicamente falando, todo campo missionário deveria se tornar, obrigatoriamente, numa base missionária. Mas por uma série de fatores que lamentamos, nem sempre é essa a realidade em termos de igreja brasileira. Já a igreja de Antioquia era, sem sombra de dúvida, um exemplo de igreja missionária. A igreja que outrora foi campo, que o Espírito Santo preparou para receber a boa semente do evangelho, cresceu e frutificou, passando a ser oficialmente o portal da missão entre os gentios; pois quando o Espírito Santo disse em Atos 13.2, "Separai-me agora ..." a partir daquele momento a igreja de Antioquia não seria mais a mesma em termos de visão e ação missionárias.

Os princípios que nortearam a vida da igreja de Antioquia, e que, com certeza, deveriam inspirar todas as igrejas, foram cuidadosamente observados e registrados por Lucas em Atos 13.



Igreja missionária é igreja adoradora 



Atos 13.2 inicia assim: "E, servindo eles ao Senhor...". O particípio presente leitourgountwn (servindo [ARA], workshiping [NIV]), do verbo leitourgéw, é empregado por Lucas em Atos 13.2 com o mesmo significado de latréw, isto é, "servir em adoração"; "prestar culto a Deus". O particípio presente indica ação contínua.

Uma igreja só pode ser verdadeiramente missionária se for verdadeiramente adoradora e vice-versa. Orlando Costas estava certo quando disse que "o culto está intrinsecamente relacionado com a ação de Deus na história e a conversão das nações ao Deus trino e uno".



E ainda: 



O culto, em sua dimensão humana, surge da missão. É o resultado espontâneo da experiência da redenção. Do mesmo modo, a missão deve ser vista como um acontecimento cultual, porquanto celebra o que Deus tem feito por homens e mulheres em Jesus Cristo e os chama a receber e compartilhar o dom da graça de Deus.

Talvez um dos piores males que têm assolado, dividido e enfraquecido a igreja brasileira em nossos dias seja os constantes debates em torno da tarefa prioritária da igreja. E não estamos nos referindo à questão da evangelização e responsabilidade social, outro assunto desnecessariamente polarizado. Ao contrário, estamos falando da dicotomia existente entre culto e missões. E a discussão não é se a igreja deve adorar ou evangelizar (embora às vezes é o que de fato acontece), mas sim, o que deve ser considerado em primeiro lugar.

As opiniões são as mais variadas e extremistas até. De um lado temos os que insistem que "missões são a segunda mais importante atividade no mundo", ou que "missões existem porque o culto não existe". Do outro lado, tem quem afirme ser "um absurdo dizer que muitas são as responsabilidades da igreja. Igreja é missões". Para os defensores da primeira posição, só o fato do culto ser dirigido a Deus e as missões aos homens já definiria, por si só, a questão da prioridade da igreja. Os defensores da segunda posição argumentam, por sua vez, que é preciso mais que adoração. "É preciso ter paixão pelos perdidos e obedecer ao ide de Jesus". Será que precisamos mesmo priorizar uma tarefa em detrimento da outra, como temos visto na prática? Será que podemos afirmar que culto é mais importante que missões ou vice-versa? Mais uma vez contamos com o argumento equilibrado de Orlando Costas:

Não existe dicotomia alguma entre culto e missão. O culto é a reunião do povo enviado ao mundo para celebrar o que Deus fez em Cristo e está fazendo mediante a participação deles na ação testemunhal do Espírito. A missão é a culminação e antecipação do culto. No culto e na missão a comunidade redimida dá evidência concreta do fato de que é, ao mesmo tempo, um povo de oração e testemunho".

Vemos, então, que o culto deve levar a igreja a fazer missões (cf. At 2.42-47), e missões, por sua vez, devem levar os perdidos a prestarem culto a Deus (cf. At 13.44-49). Pois uma adoração que não leva a igreja a evangelizar não passa de mera contemplação, e uma evangelização que não leva os pecadores a adorarem a Deus está fora dos propósitos do próprio Deus. "A liturgia sem missão é como um rio sem manancial, a missão sem culto é como um rio sem mar. Ambos são necessários. Sem um o outro perde sua vitalidade e significado".



Igreja missionária é igreja de oração 



José Martins disse corretamente: "A oração é a essência da obra missionária. Não é só uma atividade necessária ao sucesso da obra - é a obra em si. É a prática mais missionária possível, quando vivida de maneira bíblica". É evidente que Martins não quer dizer que oração e missões são a mesma coisa, e sim, que essas duas atividades devem vir interligadas uma na outra. Nunca é demais enfatizar a importância da prática da oração na obra missionária.

Quando o Espírito Santo ordenou que a igreja de Antioquia separasse Paulo e Barnabé para a obra que os tinha chamado, a igreja estava em oração. Esta verdade está implícita e explícita em Atos 13.2 e 3, respectivamente.

Implicitamente porque o versículo dois diz o seguinte: "E, servindo eles ao Senhor, e jejuando...". O fato da igreja estar jejuando subentende-se que ela estava também orando.

Seria incoerente pensar que uma igreja que estava adorando a Deus e jejuando não estivesse em oração. Nem toda oração é feita em jejum, mas todo jejum bíblico é feito com oração. Além disso, temos uma evidência explícita de que a igreja de Antioquia realmente orava naquela ocasião: "Então, jejuando e orando..." (v3). Não sabemos ao certo se o jejum do verso 3 é o mesmo do verso 2. Pela urgência do chamado do Espírito, tudo indica que sim. Mas se é o mesmo ou deixa de ser, não é tão importante sabermos. Basta saber que a igreja de Antioquia era uma igreja de oração e que fazia da oração a base de sua missão.

É provável que o exemplo da igreja de Antioquia tenha marcado positivamente o ministério de Paulo. Paulo foi um homem de oração e recomendava às igrejas que orassem por ele e pela expansão do evangelho de Jesus Cristo.

Agora, mais do que simplesmente orar, a igreja de Antioquia era uma igreja que exercia a prática do jejum. É impressionante a ênfase que Lucas dá ao jejum na igreja de Antioquia. Em Atos 13.2 ele diz que a igreja jejuava, e não menciona a oração, embora sabemos que ela também orava, conforme dissemos acima. No verso 3, do mesmo capítulo 13, Lucas coloca a palavra "jejuando" na frente de "orando". No texto grego é a mesma coisa: nestéusantes kai proseuxamenoi. A ordem das palavras é significativa e não pode ser menosprezada, como tem feito a maioria dos autores que consultamos.

A ênfase de Lucas é importante por duas razões pelo menos: 1) Não devemos pensar que a igreja de Antioquia jejuava porque trazia resquícios do judaísmo. Esta não seria uma forma inteligente de pensar, primeiro porque Lucas era gentio (provavelmente da cidade de Antioquia da Síria) e, por isso mesmo, qual o interesse dele em dar tanta ênfase a uma prática estritamente judaica? Segundo, a igreja de Antioquia foi uma das igrejas mais anti-judaicas do passado, naquilo que se refere às práticas religiosas do judaísmo. Direta ou indiretamente o Concílio de Jerusalém de Atos 15 aconteceu em razão desse anti-judaísmo-cerimonialista. 2) Acreditamos que Lucas fez questão em enfatizar a prática do jejum pela igreja de Antioquia, primeiramente para mostrar que jejum e oração não são incompatíveis na vida de uma igreja e, em segundo lugar, mostrar como esta prática era (e deve ser) valorizada no meio de uma igreja verdadeiramente missionária.

Se muitas de nossas igrejas têm falhado na prática da oração, e falhado mais ainda em rogar ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a Sua seara, em interceder pelos missionários e orar pela obra missionária de um modo geral, o que dizer então da prática do jejum em nossas igrejas?

Acredito que as igrejas históricas têm falhado até agora em subestimar a importância do jejum na vida do povo de Deus. Quantos são os membros destas igrejas que jejuam? Quantos de seus pastores jejuam? Muitos de nós mal oramos, diga-se de passagem.

Na minha própria denominação, Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), aprendi: "Sem o propósito de santificar de maneira particular qualquer outro dia que não seja o dia do Senhor, em casos muito excepcionais de calamidades públicas, como guerras, epidemias, terremotos, etc., é recomendável a observância de dia de jejum ou, cessadas tais calamidades, de ações de graças" (Princípios de Liturgia, XI). Se o povo de Deus tiver que jejuar "em casos muito excepcionais de calamidades públicas, como guerras, epidemias, terremotos, etc.", conforme prescrevem os princípios de liturgia da IPB, nunca existirá um dia de jejum neste país! Que o jejum deve ser praticado em dias de calamidades públicas não questionamos, pois a Bíblia nos dá vários exemplos disso. Mas será que devemos jejuar somente em casos muito excepcionais de calamidades públicas? Da forma como foi redigido o princípio para a prática de jejum na IPB, ao invés de estimular o crente a praticá-lo, ele faz exatamente o contrário. Não que o princípio fora escrito com o objetivo de desestimular quem quer que seja, porém, na prática é o que tem acontecido. Creio que o capítulo sobre jejum deveria ser revisto pela IPB, primeiro porque ele não expressa corretamente a realidade brasileira e também por não apresentar uma definição mais completa do verdadeiro conceito bíblico de jejum.

Apesar da Igreja Primitiva ter vivido momentos de muitas provações, nada indica que naquela ocasião especial de Atos 13 a igreja de Antioquia estivesse jejuando e orando porque passava por momentos difíceis. Pelo contrário, o contexto próximo (cap. 12) indica que a Igreja Primitiva, de modo geral, estava vivendo um dos seus melhores dias. Pedro havia sido libertado milagrosamente da prisão e um dos maiores inimigos da igreja, o rei Herodes Agripa I, foi morto mediante a intervenção de um anjo do Senhor. Enquanto isso, "a palavra do Senhor crescia e se multiplicava" (At 12.24).

A igreja de Antioquia buscava a presença de Deus pelo simples prazer de estar servindo a Deus.

E continuou assim quando enviou seus missionários e os sustentou com fervorosas orações.

Que Deus conceda à igreja brasileira a graça de ser uma igreja que se alegre em estar em Sua presença, intercedendo dia após dia pela obra missionária do Brasil e do mundo.



Igreja missionária é igreja que ouve a voz do Espírito Santo 



Enquanto a igreja orava, é provável que o Espírito Santo falou pelos profetas que ali estavam, tornando Sua vontade conhecida. Não sabemos ao certo como o Espírito Santo falou aos profetas da igreja de Antioquia. Seja como for, Ele falou e a igreja ouviu.

O verbo "ouvir" é empregado em mais de um sentido nas Escrituras. Pode significar: captar, entender, abraçar e obedecer o que se ouve. Alguém pode escutar e ouvir, no sentido literal, o som das palavras, entender as palavras, mas ser totalmente surdo quanto à prática dessas palavras.

A igreja de Antioquia era uma igreja sensível à voz do Espírito, e mais do que aguçar os ouvidos para ouvir a Sua voz, ela ouviu, principalmente, obedecendo. E é exatamente nesse sentido de fazer o que Deus ordena que a igreja brasileira hoje deve ouvir, através da Escritura, o que "o Espírito diz às igrejas".

O Espírito Santo continua falando e ouvimos a Sua voz, mas lamentavelmente, este "ouvir" nem sempre tem sido traduzido em termos de "obediência". O Espírito Santo falou à igreja de Antioquia e ela imediatamente colocou Paulo e Barnabé no mundo. Eis aí a voz do Espírito que muitas vezes tem sido ignorada pelos crentes: A igreja no mundo e para o mundo. É nisso que Deus espera ser ouvido e obedecido.

Se ouvir o Espírito Santo significa obedecê-lo, uma das grandes expressões dessa obediência é estar no mundo para ouvir o mundo. E o que significa ouvir o mundo? John Stott responde: "O mundo de hoje está repleto de clamores que refletem ira, frustração e sofrimento. Mas muitas vezes nós nos fazemos de surdos diante dessas vozes de angústia". Stott nos lembra, ainda, que existem dois grupos de pessoas no mundo que, além de precisarem ouvir o que a igreja tem a lhes dizer, precisam, antes, ser ouvidos pela igreja. Diz ele:

Primeiro, temos o sofrimento daqueles que nunca ouviram o nome de Jesus, ou que, embora tenham ouvido falar nele, ainda não o aceitaram e, portanto, em sua alienação e perdição, estão sofrendo terrivelmente. Neste caso, o que costumamos fazer é sair correndo com o evangelho nas mãos, subir no nosso poleiro e vomitar a nossa mensagem, sem a mínima consideração para com a situação cultural ou as verdadeiras necessidades dessas pessoas. O resultado é que, com muito mais freqüência do que gostaríamos de admitir, nós afastamos as pessoas e até mesmo aumentamos sua alienação, pois a forma como apresentamos a Cristo é insensível, desajeitada e até irrelevante. De fato, "responder antes de ouvir é estultícia e vergonha".

A melhor coisa é ouvir antes de falar, procurar penetrar no mundo das idéias e pensamentos da outra pessoa, tentar descobrir quais são as suas possíveis objeções ao evangelho e então compartilhar com ela as boas novas de Jesus Cristo de uma maneira que fale às suas necessidades. Esta atividade desafiadora, humilde e perspicaz é chamada, e com razão, de "contextualização". Mas é essencial acrescentar que contextualizar o evangelho não é de maneira alguma manipulá-lo.

... Em segundo lugar, temos o sofrimento dos pobres e dos famintos, dos despossuídos e dos oprimidos. Muitos de nós só agora é que estão despertando para a obrigação que a Escritura sempre colocou sobre o povo de Deus, de preocupar-se com a justiça social. Nós deveríamos ouvir com mais atenção os clamores e os suspiros daqueles que estão sofrendo. Quero compartilhar aqui um versículo bíblico que nós temos negligenciado e que, em se tratando deste assunto, quem sabe deveríamos destacar. Ele contém uma solene palavra de Deus para aqueles que, dentre o seu povo, carecem de consciência social. Encontra-se em Provérbios 21.13: "O que tapa o ouvido ao clamor do pobre também clamará e não será ouvido.

Complementando Jonh Stott, lembramos ainda de Orlando Costas, que também costumava chamar o compromisso da igreja para com a sociedade e o mundo de dimensão diaconal ou encarnacional, isto é, "a intensidade de serviço que a igreja presta ao mundo, como prova concreta do amor de Deus". E mais:

Esta dimensão envolve o impacto que o ministério reconciliador da igreja exerce sobre o mundo, o seu grau de participação na vida, conflitos, temores e esperanças da sociedade e a medida em que seu serviço ajuda a aliviar a dor humana e a transformar as condições sociais que têm condenado milhões de homens, mulheres e crianças à pobreza. Sem esta dimensão a igreja perde sua autenticidade e credibilidade, pois somente na medida em que conseguir dar visibilidade e concreticidade à sua vocação de amor e serviço ela pode esperar ser ouvida e respeitada.

Se a igreja brasileira der ouvidos à voz do Espírito, com certeza ouvirá a voz dos que precisam ser ouvidos.



Igreja missionária é igreja compromissada com os missionários 



O que determina, de certo modo, se uma igreja é ou não missionária é o seu envolvimento e compromisso com os missionários. Este compromisso mostrará até onde a igreja está engajada em missões e, principalmente, até onde ela tem sido obediente à voz do Espírito de Deus, mesmo quando atua na retaguarda.

A igreja de Antioquia era uma igreja de compromissos. Ela estava compromissada com Deus (servindo a Deus, jejuando e orando, Atos 13.2,3) e com os missionários (impondo sobre eles [Barnabé e Saulo] as mãos, os despediram, Atos 13.3).

É importante destacar, antes de tudo, que o envolvimento missionário da igreja de Antioquia não estava limitado àqueles cinco nomes de Atos 13.1. E mesmo se a imposição de mãos sobre Paulo e Barnabé tivesse sido realizada por apenas três deles, nem por isso deixaria de ser o trabalho da igreja toda. Comentando o envio dos missionários pela igreja de Antioquia, Kistemaker diz com razão que "toda a igreja de Antioquia estava envolvida em comissionar Barnabé e Saulo, pois quando os missionários retornaram, eles relataram à igreja o que Deus tinha feito (14.27)". E ainda, "o Espírito Santo movimenta a igreja e não meramente cinco pessoas para se engajarem na obra missionária".

A imposição de mãos sobre Paulo e Barnabé não deve ser entendida, conforme observa Liefeld, como "uma ordenação para ensinar (Paulo e Barnabé já tinham estado no ministério cristão, e Paulo considerava que a sua autoridade vinha diretamente de Deus, e não dos homens, nem sequer por intermédio dos homens, Gl 1.1)". E ainda: "O certo é que Paulo e Barnabé foram enviados para uma obra específica numa atmosfera de adoração, oração e jejuns (At 13.1-3), uma ação que, segundo Atos 14.26, os 'recomendou à graça de Deus'".

A interpretação de Liefeld quanto à imposição de mãos em Atos 13.3 é boa mas poderia ser melhorada. É que, além do que Liefeld diz, houve naquela ocasião um "pacto" entre a igreja de Antioquia e os missionários, no qual a igreja ficaria definitivamente vinculada aos missionários e os missionários à igreja.

Uma palavra grega que expressa muito bem o vínculo do relacionamento e do compromisso cristãos entre missionário e igreja é koinwnéw (associar). Certa vez o apóstolo Paulo expressou sua gratidão para com os filipenses, pelo cuidado a ele dispensado e, depois de observar que "tudo posso naquele que me fortalece" (Fp 4.13), acrescentou: "Todavia, fizestes bem, associando-vos na minha tribulação. E sabeis também vós, ó filipenses, que, no início do evangelho, quando parti da Macedônia, nenhuma igreja se associou comigo no tocante a dar e receber, senão unicamente vós outros" (Fp 4.14,15, grifos nossos). Por duas vezes o apóstolo usa o verbo "associar" nesta passagem. Comentando este texto de Filipenses 4.14,15, Edison Queiroz destaca:

A palavra que Paulo está usando aqui para "associar-se" é uma palavra comercial, usada quando duas pessoas decidem formar uma sociedade. Assim como eles se tornam sócios, em um projeto missionário um dos sócios é o missionário e sua família, e o outro é a igreja local; a igreja e a família estão indo juntas ao campo.

Lucas registra que a igreja de Antioquia "acompanhou" as viagens missionárias de Paulo e este, por sua vez, relatava a ela as coisas que Deus fazia por seu intermédio. Em Atos 14.26-28, por exemplo, a primeira viagem missionária termina com o retorno de Paulo e Barnabé à igreja enviadora para repartir os "lucros" com os "sócios", para compartilhar os frutos do trabalho com ela: "... navegaram para Antioquia, onde tinham sido recomendados à graça de Deus para a obra que haviam já cumprido. Ali chegados, reunida a igreja, relataram quantas cousas fizera Deus com eles e como abrira aos gentios a porta da fé. E permaneceram não pouco tempo com os discípulos".

A igreja de Antioquia tomou para si a responsabilidade da obra missionária. E por que? Porque ela se propôs a ser co-participante do Espírito no envio e sustento dos missionários. A missão do Espírito seria a missão da igreja.

Em Atos 13.3 não aconteceu o que vemos hoje em dia. Paulo e Barnabé não foram lançados num campo e deixados "ao deus dará". A igreja não se esqueceu daqueles que enviou e os missionários, por outro lado, não se lembraram da igreja somente quando o dinheiro da missão encurtou. Não queremos generalizar, mas não é, infelizmente, o que muitas vezes temos visto? Além disso, a igreja de Antioquia não entregou Paulo e Barnabé aos cuidados da igreja de Jerusalém e muito menos os deixou por conta de uma agência missionária. De maneira nenhuma! A igreja de Antioquia tinha responsabilidade missionária. Havia nela o que Queiroz chama de "personalização".

Atualmente, o que temos visto com freqüência são as agências ou juntas de missões ocupando o lugar da igreja local. Não que as agências não tenham seu devido valor, é claro que têm. Ademais, as agências de missões, em si, não tiram a responsabilidade missionária das igrejas. Contudo, se hoje elas estão ocupando o lugar das igrejas, indo além de suas atribuições, é porque as igrejas estão aquém de sua vocação.

Del Pino complementa o conceito da responsabilidade missionária da igreja dizendo: Um grande número de igrejas espalhadas por este nosso Brasil precisa ver-se como vocacionadas por Deus para exercerem a tarefa missionária como um fator de peso em seu ministério, precisa ver-se como a força missionária de Deus nesse mundo e em nosso país.

Falando ainda acerca da importância da igreja local em missões, Del Pino destaca quatro coisas que, segundo ele, deveriam acontecer em nossas igrejas. Em resumo, são elas:

1. A igreja local como um todo precisa receber, compreender e assumir a visão de seu lugar na obra missionária, além de compreender as dimensões bíblica, espiritual, cultural e financeira desta tarefa.

2. A igreja local, compreendendo sua importância para missões, não pode transferir esta responsabilidade.

3. A igreja local, ainda, precisa assumir por completo a sua responsabilidade missionária. O que mais comumente vemos é que a igreja muito se alegra com o despertar de uma vocação em seu meio, ora por aquele irmão e diz para ele ir. Mas quando chega o momento de assumir o compromisso financeiro regular e decente, ela se silencia, como se isso não fosse problema dela.

4. Por fim, a igreja local precisa conscientizar-se e ver-se como a principal agência missionária da face da Terra. Orar tendo isso em mente, agir tendo isso em mente, pregar tendo isso em mente, trabalhar tendo isso em mente.

Para Deus só existem duas coisas: Ou somos campo, ou somos base missionária. Se somos campo, precisamos ser evangelizados, mas se somos base, então está na hora de trabalhar. A omissão não pode ser a missão de uma igreja vocacionada pelo Espírito Santo de Deus.

Notas
Segundo Orlando Costas, "a prova de uma vigorosa experiência cultual será a participação dinâmica na missão: a prova de um fiel compromisso missionário será uma profunda experiência de culto" (Orlando E. COSTAS, Compromiso y misión. San José-Costa Rica: Editorial Caribe, 1979, p. 151).


Idem, p. 150.


Ibidem.


Cf. Evangelização e responsabilidade social. 2a ed. São Paulo-Belo Horizonte: ABU Editora/Mundo Cristão, 1985, p. 17-25. Por falar em evangelização e responsabilidade social da igreja, vale a pena ressaltar que o verdadeiro conceito de missão para a igreja de Antioquia era (como os missiólogos contemporâneos costumam denominar) o de missão integral, isto é, o indivíduo assistido em sua totalidade, conforme Atos 11.27-30.
COSTAS, op. cit., p. 150.
Idem, p. 150,151.
7 José MARTINS, A oração dominical e missões. In: Missões e a igreja brasileira: perspectivas teológicas, p. 67. V. t. Durvalina B. BEZERRA, A missão de interceder: oração na obra missionária. Londrina: Descoberta, 2001, p. 229-244.


Cf. Simon J. KISTEMAKER, New Testament Commentary: Exposition of the Acts of the Apostles. Grand Rapids: Baker Book House, 1990, p. 20,21..


Cf. KISTEMAKER, op. cit., p. 455.


John STOTT, Ouça o Espírito, ouça o mundo. 2ª ed. São Paulo: ABU Editora, 1998, p. 123.. 


STOTT, p. 123-125.
COSTAS, p. 113.
Idem, p. 113,114.


KISTEMAKER, op. cit., p. 455. V. t. J. H. BAVINCK, An introduction to the science of missions. Phillipsburg: The Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1960, p. 58-60.


KISTEMAKER, p. 455. Cf. Atos 15.40.


Walter L. LIEFELD, Imposição de mãos. In: ELWELL, Walter A. (ed.). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã, Vol. II. São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 323.


Idem, p. 324.


A expressão "os despediram" de Atos 13.3 reforça a idéia de que a igreja de Antioquia estava enviando Paulo e Barnabé, e continuaria vinculada a eles, uma vez que o verbo apolyw, diferentemente de apospaw (At 21.1), não sugere "despedida definitiva". V. t. Paul E. PIERSON, Atos que contam. Londrina: Descoberta, 2000, p. 117.
Edison QUEIROZ, O melhor para missões. 2a ed. Londrina-Curitiba: Descoberta, 1999, p. 50. V. t. Neal Pirolo, A missão de enviar: como sustentar o seu missionário. Londrina: Descoberta, 2001, p. 13-31,179-200; Hugo PIRIZ, A igreja e a integridade pessoal e familiar do obreiro do Senhor. In: STEUERNAGEL, Valdir (ed.). E o Verbo se fez carne: desde a América Latina. 


Curitiba: Encontrão Editora, 1995, p. 153-160.


E, certamente, este "sustento" significava mais do que orar por eles. Não concordo com A. T. Robertson (em Word Pictures in the New Testament: The Acts of the Apostles. Grand Rapids: Baker Book House, 1930, p. 178,9) quando afirma que "Paulo e Barnabé tiveram que financiar a própria viagem", com base em Filipenses 4.15. De fato, Paulo passou por muitas dificuldades em seu ministério, inclusive financeiras (cf. Fp 4.12), mas isto não aconteceu por falta de compromisso da igreja de Antioquia, e sim, por causa das circunstâncias político-religiosas da época. Às vezes faltava oportunidade para uma melhor participação da igreja (cf. Fp 4.10).


E. QUEIROZ, op. cit., p. 60. Diz ele: "O objetivo da igreja, ao fazer missões, deve ser promover a máxima personalização, fazer com que o maior número possível de membros da igreja tenha contato com os missionários". V. t. Oswaldo PRADO, Do chamado ao campo. São Paulo: Sepal, 2000, p. 87,88.


Edison Queiroz destaca muito bem alguns pontos que evidenciam a importância de uma agência missionária. Diz ele: "Há inúmeras dificuldades para o envio de um missionário. Precisa haver contatos com outras agências missionárias, com autoridades governamentais, emissão de vistos de entrada e permanência, câmbio e envio de dinheiro, orientação quanto aos relacionamentos no campo com igrejas, governo e outras agências e avaliação in loco do andamento do trabalho.
Todas estas tarefas são difíceis para a igreja. Daí, a importância das juntas e organizações missionárias" (E. QUEIROZ, Igreja local e missões. 3a ed. São Paulo: Vida Nova, 1991, p. 56).
Cf. Carlos Del PINO, A importância da igreja local em missões. In: Missões e a igreja brasileira, p. 60.
Idem, p. 60,61. V. t. E. QUEIROZ, op. cit., p. 43-58; A missão da igreja e o despertar missionário na América Latina. In: STEUERNAGEL, Valdir R. (ed.). A missão da igreja. Belo Horizonte: Missão Editora, 1994, p.117-126 e O. E. COSTAS, La misión, el ministerio y el Espírito Santo: el caso de la iglesia de Antioquia. In: Misión y ministerio en America Latina, artigo não publicado, p. 1-7.

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