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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

III - O DIÁLOGO DA CEIA DO SENHOR

Parte III
O DIÁLOGO DA CEIA DO SENHOR


Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, havendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo que é por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo pacto do meu sangue; Fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. Porque todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes do cálice estareis anunciando a morte do Senhor, até que ele venha. De modo que qualquer que comer do pão, ou beber do cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim como do pão e beba do cálice. Porque quem come e bebe, come e bebe para sua própria condenação, se não discernir o corpo do Senhor" (1Co 11.23-29).

A Ceia Memorial tem sido celebrada num ambiente espiritual, profundo, reverente e cheio de certeza, além do destaque que a Ceia do Senhor nos fala numa linguagem silenciosa porém plena de energia. Temos o pão e temos o vinho, elementos simples e destacados nesta celebração. E nesta simplicidade, ela se torna um meio de comunicação de algumas importantes mensagens para o povo de Deus.


A LINGUAGEM DE COMEMORAÇÃO (v.25)


Paulo diz isso: "Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo pacto no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim", ou seja, "para que pensem novamente em mim".

É extraordinária a presença de Jesus Cristo na vida cristã. Pela inspiração do Espírito de Deus, até mesmo a escolha de certas palavras tem o seu lugar na Escritura Sagrada. Aqui, apenas uma filigrana lingüística: na língua hebraica, a palavra que significa "manifestação de Deus, presença divina" é shekinah, a gloriosa presença de Deus no meio do Seu povo. Cada vez que a glória do Senhor se manifestava no meio do povo de Israel, fosse no deserto, em Canaã, ou nas grandes batalhas, sempre era celebrada a manifestação da shekinah divina (cf. Sl 78.60; Is 18.1; 22.19).

Quando João escreveu a narrativa que abre o Evangelho que leva o seu nome, ele disse "E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade"; a palavra grega utilizada nada tem a ver com o hebraico: é outra língua, outra origem, não tem a mesma categoria, inclusive lingüística. Pois bem, a palavra que João utilizou para dizer "o Verbo habitou, marcou presença, manifestou-se entre nós", é a palavra grega que diz skinê. Percebam o som do hebraico sh ki nah e do grego s ki nê. As duas palavras têm praticamente o mesmo radical. Coincidência, ou vontade de Deus que as palavras assemelhadas fossem usadas pelo escritor sagrado?

Para que se manifeste a glória de Deus, e para que pensemos nEle, é que a Ceia do Senhor é celebrada por Sua Igreja. Jesus Cristo estabeleceu duas ordenanças, e somente duas: o Batismo e a Ceia Memorial. São ordenanças sem qualquer benefício acessório para a salvação. Uma pessoa em sendo salva por Jesus Cristo, na verdade não precisa do Batismo para acrescentar algum valor maior à salvação. O malfeitor da cruz não precisou se batizar, mas já estava com Jesus Cristo no paraíso após aquele momento cruel. Não é preciso, mas o batismo é um ato de obediência: Jesus até foi batizado por João, e mandou que a Igreja praticasse o batismo, o que fazemos como testemunho público do que Jesus Cristo fez na nossa vida.

A outra ordenança é a Ceia do Senhor. Então, quando observamos a Ceia do Senhor, fazemos algo pelo Senhor, não por nós ou pelos outros, mas pelo Senhor, porque estamos pregando a Sua morte para a salvação de todo aquele que crê. Estamos dizendo isso quando tomamos o pão nas mãos, que é o corpo de Jesus Cristo que sofreu no Calvário; e quando tomamos o cálice, dizemos que o sangue de Jesus Cristo foi derramado por mim e por você, por nós. Estamos pregando a mensagem de livramento de redenção para todo o que crê!

Como precisamos de memoriais! Sim; precisamos de memoriais para que nos lembremos de quem somos, daquilo que somos, porque estamos aqui, e aonde estamos indo. Quando nosso país joga na Copa, os memoriais brasileiros se apresentam por todos os lados: é a bandeira do Brasil sendo desfraldada. E não existe sentimento maior que estar em outro país, e se emocionar com o verde-amarelo tremulando nos mastros com outras bandeiras. Isso se chama filia, o amor cívico, patriótico.

Sim; precisamos de memoriais. Quando se ouve o nome de Maria Quitéria, logo lembramos do Dois de Julho, a data principal da Bahia! Falamos de amor conjugal, lembramos a aliança.

Sem dúvida, precisamos de memoriais. Temos que lembrar da nossa indignidade e da beleza do perdão. Por essa razão, temos o memorial da Ceia do Senhor. É isso o exatamente o que faz a Ceia do Senhor: ela nos relembra o dom da vida através da morte de Jesus Cristo. Assim, quando nos reunimos para a Ceia, ela utiliza a linguagem da comemoração.

A LINGUAGEM DA COMUNHÃO (vv. 17-20)

Paulo disse: "Nisto, porém, que vou dizer-vos não vos louvo; porquanto vos ajuntais, não para melhor, mas para pior" (v. 17). Isso aconteceu, infelizmente, com a igreja de Corinto, que se reunia para a indignidade. Que coisa triste, reunirem-se os nossos irmãos para atos indignos!

Não confundamos as coisas: quando falamos de comunhão, não estamos falando de encontro sobrenatural, místico; não estamos dizendo que nos unimos a Jesus Cristo através do Nirvana, como querem pregar orientais; não estamos tendo uma visão, não; não é comunicação com um morto como querem ensinar por aí, não!

É por esses erros todos que doutrinas estranhas surgiram ao longo da história da Igreja Cristã. Como a transubstanciação, ensinando que no momento em que são pronunciadas as palavras de instituição ("isso é o meu corpo" e "isso é o meu sangue") que tanto o pão quanto o vinho mudam a sua substância, e as suas substâncias tornam-se, respectivamente, a da carne e do sangue de Jesus Cristo! O Senhor tenha piedade! Isso não se encontra na Escritura?! A comunhão com Cristo não necessita que a substância desses elementos materiais seja mudada.
O Novo Testamento nos ensina que a Ceia do Senhor é um memorial. Não há comunhão física, ao se participar da Ceia do Senhor, entre o homem pecador e o Deus perfeito, mas uma comunhão espiritual, sem dúvida, pela lembrança de Cristo na cruz.

Ao longo destes quase quarenta anos de ministério da palavra e das ordenanças, tenho me emocionado sempre que participo da Ceia Memorial! E cada vez que seguro a côdea de pão, e o parto na frente dos participantes, eu me emociono, porque me vem à mente que sou indigno pecador, e que pela graça de Deus fui feito Seu filho! Lembro-me, quando tomo esta jarra de vinho, e derramo um pouco no cálice, fico com as mãos trêmulas ainda; são 39 anos celebrando a Ceia do Senhor praticamente mês a mês (e houve época quando o fiz duas vezes no mês), mas ainda hoje tremo quando tenho na minha mente e coração a cena de Jesus Cristo no Calvário, e o Seu sangue escorrendo pelas mãos, pela Sua testa, pela face, e pelo tronco da cruz... Sim; há uma comunhão espiritual pela lembrança de Cristo na cruz, e pela nossa identificação com essa cruz: a minha cruz, não de Cristo, mas a minha cruz!

Há uma comunhão entre os crentes, mas não é comunhão-de-cafezinho, porque a Ceia do Senhor não é isso! Por isso, Paulo está preocupado, e diz "Mas, se alguém quiser ser contencioso, nós não temos tal costume, nem tampouco as igrejas de Deus. Nisto, porém, que vou dizer-vos não vos louvo; porquanto vos ajuntais, não para melhor, mas para pior". Terrível!

Havia divisões na igreja de Corinto quanto a questões de doutrina. A igreja estava dividida por causa de uma doutrina (cf. capítulos 12 e 14); havia divisões por causa de trajes (capítulo 11)?! E depois todos queriam se reunir para "tomar cafezinho"?! A Ceia do Senhor não é para isso, não! Porque tomamos agora, e se não temos essa impressão profunda, sairemos de novo com a mesma raiva e amargura do nosso irmão em Jesus Cristo! A conduta dos irmãos de Corinto destruía o propósito da igreja, e o propósito da Ceia! O que Paulo está enfatizando aqui é a harmonia da Ceia, a qualidade de vida espiritual, é a unidade da igreja, e quando celebramos a Ceia, é isso o que estamos dizendo!

A LINGUAGEM DA CONSAGRAÇÃO (vv. 27-29)

Quando celebramos a Ceia usamos essa linguagem. "De modo que qualquer que comer do pão, ou beber do cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice". Interessante que a Ceia do Senhor não torna ninguém melhor. Na verdade, ninguém vai sair melhor porque tomou a Ceia do Senhor. E agora o paradoxo: o irmão pode sair pior se tomou a Ceia do Senhor indignamente! É o que Paulo diz, por essa razão é dever de cada um solene e seriamente examinar-se sobre quais são os seus interesses em Jesus Cristo. Você participou da Ceia só porque os outros iam ver, e você ia ficar com vergonha se ficasse sentado e não participasse? Quais são seus propósitos quando se aproxima da Mesa do Senhor?

Estive lendo sobre a congregação dos levitas e sacerdotes (Números 3 e 4). Fiquei arrepiado! Que coisa impressionante a legislação, como eram as normas no acampamento de Israel no deserto: somente podiam se aproximar dos móveis os sacerdotes, nem os levitas quer eram os seus auxiliares. Quando havia necessidade de desmontar o tabernáculo para ir para outro lugar, os sacerdotes entravam, embalavam os móveis, com várias camadas de tecidos (e de cores diferentes para mostrar o grau de santidade do objeto), e depois que tudo era embalado, e ninguém via a forma do objeto, os levitas pegavam o pacote e faziam o carregamento nos carros de boi para o transporte pelo deserto. E sempre é lembrado o seguinte: "e o estranho que se chegar será morto" (Nm 3.10, etc.). Os levitas funcionavam, entre outros deveres, como guardas de segurança do tabernáculo.

A lei não era fácil: era marcial, lei de guerra! O "estranho" não era o pagão, não; era o próprio povo de Israel. Só que há uma diferença muito grande: na Igreja Cristã o pastor não é o sacerdote, e os outros, o "povão"! Na Igreja de Cristo fomos todos elevados ao sacerdócio, por isso podemos nos aproximar dos objetos, da Mesa do Senhor! Mas tem uma coisa: se o irmão vier à Mesa do Senhor com as mãos sujas, "será culpado do corpo e do sangue do Senhor" (1Co 11.27b)! O irmão não sai melhor, mas pode sair pior do santuário.

Então, estou vindo com fé na morte de Jesus Cristo? Vivo diariamente pelo poder da ressurreição de Jesus Cristo? São perguntas que tenho que fazer! É Jesus realmente o alimento da minha alma? Sou eu um dos Seus, e sou eu um com os Seus? Estou em harmonia, minha vida é digna da comunhão com os outros crentes? Permanece a minha aliança com o Deus vivo? Se não conheço a Jesus Cristo, como posso me lembrar dEle?

Por isso que Phillip Henry diz que o crente quando for participar da Ceia deve fazer três perguntas:
· Que é que eu sou? Filho de Deus, salvo pelo sangue de Jesus? Lavado pelo Seu sangue?
· Que é que eu tenho feito? Minhas mãos estão limpas, ou manchadas. Meu coração está limpo, ou borrado, sujo? · Que é que eu desejo? Quais os meus sonhos e visões, que almejo na Causa de Jesus Cristo?

Então, devemos dar graças a Deus pelo privilégio de termos um diálogo com a Ceia do Senhor, e, assim, que venhamos à mesa do Senhor em espírito de comemoração porque essa é a linguagem que falamos agora, em comunhão espiritual porque essa é a realidade que vivemos agora, e consagração pessoal porque esse é o propósito, o objetivo, o alvo de nossa vida sempre. E lembrando, sobretudo, que a Ceia do Senhor não é um funeral (para que cara triste?): a Ceia do Senhor é uma celebração de fé, de alegria, de esperança porque nós olhamos para aquele dia! Que o Senhor nos ajude e abençoe!

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