Páginas

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

XII - ANÁLISE SEMÂNTICA

Parte XII
ANÁLISE SEMÂNTICA

De I Pedo 2:4-10


Vers. 04 - Chegando-vos a ele, a pedra viva, rejeitada é verdade pelos homens, mas diante de Deus eleita e preciosa.


O 1º verso merece atenção especial, a partir da palavra giqon (pedra). É de uso figurativo1 pois designa o caráter inflexível ou de sentimentos duros (Cf. CULLMANN, 1965:324). Ao dizer que devemos chegar a Cristo, o apóstolo faz uso da palavra pedra como algo vivente. Essa declaração permite compreender o caráter de Cristo, ou seja : Deus vivente. Com certeza, o uso do substantivo pedra é mais um recurso literário e lingüístico do que propriamente teológico. Ao apropriar-se da linguagem simples para referendar o caráter de Cristo, o autor é sábio, pois considera a estrutura da “teologia da pedra” como indicativo da superioridade das demais compreensões teológicas a respeito da salvação. Sendo assim, a pedra é símbolo figurativo do Cristo que, por sua vez, é símbolo figurativo de salvação. Dessa forma, pedra em 2:4 é vocábulo substituto da salvação.

Está clara a indicação de que Cristo é a pedra viva, pois o verbo zwnta (particípio presente) denota a qualidade verbal 2 do substantivo giq on (pedra).
Essa qualificação é própria nos escritos petrinos e paulinos, pois além da ênfase no Cristo, enquanto Salvador, é também ao aspecto sustentador da salvação - a pedra é viva (Cf. I Cor 10:4; Rm 9:33, 10:11).

Interessante notar é que o autor também argumenta o aspecto do adjetivo negativo dessa pedra, ou seja, é rejeitada. O que o autor quer dizer, na verdade, é uma releitura de Is. 28:16, cujo contexto lembra-nos do povo que não depositou confiança no Senhor Iahweh. Da mesma forma, a pedra é rejeitada por não depositarem à ela o crédito de confiança merecido. O autor releva-nos paradoxalmente a qualificação da pedra, ou seja, é viva, pois é a salvação; é rejeitada, pois não há mérito de fé alguma. Sendo assim, rejeitada é sinônimo de falta de fé, e, consequentemente anti-sinônimo de salvação.

Todavia, a linguagem do autor é explicativa ao exemplificar os dois aspectos da pedra na perspectiva divina : eleita e preciosa. A combinação grega de eklekton (eleita) e entimon (preciosa) quanto à pedra é máxima, por partir de (segundo Deus). Isso denota a exposição divina da eleição de Jesus-pedra (salvação) e da preciosidade que este representa aos olhos de Deus. dir-se-ia que tais adjetivos são conseqüências da ação divina sobre a pedra (Jesus). Tais qualidades são somente compreendidas por aqueles que obedecem o (chegando-vos) a Cristo. Concluindo, pedra viva é Cristo que salva mediante os que crêem Nele, e, para os que não crêem, ele é a pedra rejeitada. 

Vers. 05 - Do mesmo modo, também vós, como pedras vivas, constituí-vos em um edifício espiritual, dedicai-vos a um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo.

Comecemos a análise pela expressão giq on zwnteV (pedras vivas). embora seja a mesma expressão dada a Cristo, a diferença se faz pelo verbo constituí-vos. Essa constituição é mister por causa da ação prática de Deus na vida daqueles que crêem. Trata-se mais de uma exigência, um dever a ser cumprido. Os que crêem são chamados a se tornarem oikoV pnenmatikoV (edifícios espirituais). Trata-se de termos pertinentes à posição dos que aceitam a pedra viva. de certa forma, os “edifícios espirituais” são : o crer, o aceita, o confiar, o receber a pedra, o adorar a Deus, etc. Esse edifício não tem uma característica física, isto é, não é determinado por medidas conhecidas na arquitetura, mas sim, por características espirituais, “a do Espírito”,3 ou seja, a exigência que o Espírito faz é o de crer na giq on zwnta (pedra viva).
Uma outra exigência feita nesse verso é que devemos nos dedicar a um sacerdócio santo. (eiV ierateuma). Essa exigência é feita apenas no sentido funcional, isto é, a nós é dado o ofício de sacerdotes. Não há intermediários entre aqueles que crêem e Deus. Ser sacerdote é uma designação de forma constitutiva por parte de Deus, mas não institucional (por parte dos homens). Essa nova designação, só é compreendida à luz da fé em Cristo, haja vista que tais implicações somente são encontradas no Novo Testamento.4 A posição que o indivíduo assume em Cristo é a de ser sacerdote, pois pode oferecer sacrifícios movidos pela fé e não pelo pecado. Sendo assim, os sacrifícios espirituais são provas de fé (crer, obedecer, adorar, profetizar, etc.), apresentados em momentos doxológicos pelo que aceita a vontade de Deus.

Vers. 06 - Com efeito, nas Escrituras se lê : Eis que ponho em Sião uma pedra angular, eleita e preciosa, quem nela confia não será confundido.

Este versículo é uma rememoração de Isaías 28:16. O uso das Escrituras denota a autoridade do Antigo Testamento na releitura dos apóstolos. Para o autor da carta, a “pedra angular” é Cristo por estar sustentando Sião (o povo que nele crê). No contexto vétero-testamentário, Isaías 28 comenta o juízo de Deus sobre Efraim, ao mesmo tempo que o profetiza com uma promessa (Vers. 16 : “quem nela (pedra) crer não será confundido “. É uma releitura muito apropriada para o contexto neo-testamentário, pois é Deus quem, através de Cristo, elege e torna “essa pedra” preciosa.
Os apóstolos e discípulos da época neo-testamentária dão ênfase ao A.T por questões de estilo literário : paralelismo, releitura e narrativa divina.5 Dessa forma, entende-se as referências do A.T apenas como re-interpretação e ênfase teológica por parte do apóstolo. Pedro, ao associar o contexto de Isaías com o da comunidade de sua época, estaria atualizando a teologia (fé e prática) de Isaías 28:16. Certamente, as nuances da nova vida em Cristo extrapolaria os conceitos de “pedra angular” de Isaías. Enquanto o “crer “de Isaías 28:16 é a sujeição dos líderes à vontade de Deus, o “crer “ de I Pedro é a Fé depositada em Cristo.

Vers. 07 - Isto é, para vós que credes ela será um tesouro precioso, mas para os que não crêem, a pedra que os edificadores rejeitaram, essa tornou-se pedra angular.
Vers. 08 - Uma pedra de tropeço e uma rocha que faz cair. Eles tropeçam na Palavra, para o que também foram destinados.

Esses versículos devem ser entendidos como uma conclusão dos argumentos apresentados anteriormente. É como se o autor estivesse finalizando sua exposição, mas dando ênfase nos aspectos positivos e negativos dessa conclusão, por exemplo :


CRER (+) NÃO-CRER (-)


Tesouro Precioso Rejeitada

Eleita Tropeço

Faz Cair

A linguagem usada é a da figura de um construtor. A “pedra angular” é a principal da construção. Poderíamos dizer que essa pedra é a que sustentará as demais. Sendo assim, as demais colunas, paredes, aberturas, etc; devem estar ligadas à ela. Na analogia petrina, essa pedra angular é a que representa a sustentação da fé, da esperança, das vitórias dos que crêem. O “crer “nesse texto é a exigência clara para os que querem ter uma construção forte. A construção que representa a “pedra principal “ é a feita pela fé em Cristo. Quando Pedro diz “isto é para vós que credes“, está fazendo referência à comunidade dos cristãos dispersa na Ásia Menor : (Ponto, Bitínia, Galácia e Capadócia). Com certeza, essa comunidade “creu “ na pedra preciosa e por isso está tendo uma boa construção.
O autor reafirma a experiência cristã da comunidade a partir da fé depositada na Pedra (Cristo). Mas para os que não crêem é a pedra de tropeço, a rocha que faz cair. a referência “que não crêem “ é específica para os judeus. Podemos chegar a essa conclusão por causa do final do versículo “para os que também foram destinados” (Is. 8:14).
Ao rejeitar Cristo, os que não crêem estão rejeitando a pedra que Deus elegeu como fundamental para a salvação/eleição. Não considerar essa “forma divina “ de “crer “ na pedra é o mesmo que incredulidade. A fé em Cristo é, então, escândalo, pois não crêem; ao mesmo tempo que a conseqüência é “cair “. Podemos entender que a incredulidade é a rejeição de Cristo. Os judeus não aceitaram a fé como forma divina da eleição. Eles a rejeitaram e ao mesmo tempo escandalizaram-se. A “rocha” só faz “cair “ porque não aceita a incredulidade.

Vers. 09 - Mas vós sois uma raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, o povo de sua particular propriedade, a fim de que proclameis as excelências daquele que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa.
Vers. 10 - Vós que outrora não éreis povo, mas agora sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia.

Os versículos 9 e 10 representam os resultados da fé em Cristo. Tratam-se de nomeações referentes à nação de Israel, mas que na visão petrina correspodem à nova identidade a partir da fé em Cristo. Essa identidade é pertinente aos que crêem, tanto judeus como gregos. A nova realidade dos que crêem corresponde à função que deverão cumprir. Isso comprova pelos adjetivos dados, por exemplo :

Raça Eleita: Aqueles que são chamados para a grande construção. Essa eleição desempenha a função dos responsáveis pela construção. São somente eleitos por Deus porque crêem.

Sacerdócio Real: É o ofício exercido pelos que crêem. É uma função religiosa identificada pela categoria dos responsáveis pela adoração a Deus. Crer é exercer a função sacerdotal para adorar a Deus. Não é mais exigida a representação visível e única do sacerdote, mas, agora pela fé em Cristo, todos são eleitos enquanto sacerdotes e possuidores do sacerdócio, isto é, o ofício de endereçar a Deus a fé que adora.

Nação Santa: A santidade é pertinente à nova realidade da fé em Cristo. É a qualidade dos que são separados para exercer uma nova função : ser santo. Não se trata de uma qualidade extra-dimensional ou invisível, mas representativa do ponto de vista da fé em Cristo. A santidade é, portanto, o momento em que a ação de crer separa o povo para uma nova realidade : a de servir a Deus. Poderíamos considerar o alcance geográfico da santidade de Deus: todos os que crêem em Cristo em qualquer lugar da terra. 

Povo de sua Propriedade Particular : É a consideração que o autor faz àqueles que crêem na pedra e que, automaticamente, são feitos propriedades de Deus. Essa menção que o autor faz é ainda qualificada como “particular“, “exclusiva”, tudo indica a nova concepção da soberania de Deus sobre nós, ou seja, somos exclusivos para o uso divino. Essa exclusividade é quanto ao serviço exigido por Deus : proclamar as excelências divinas. Daí, entende-se que Deus é soberano sobre o seu povo de propriedade exclusiva. 

Todas as qualidades relacionadas à eleição dos que crêem, referem-se à exigência do serviço : proclamar. Essa ação só pode ser executada pelo povo eleito por Deus. A eleição para o serviço é mediante a fé : Poderíamos afirmar, nas palavras de Pedro, que a fé em Cristo elege a comunidade para o serviço. Contextualmente, esse serviço seria a apresentação do Cristo kerigmático, representado figuradamente pelos termos “luz”(comp. Jo 1:1:10) Ainda outros textos afirmam que a passagem para a fé cristã é uma passagem das trevas para a luz (Jo12:46, II Cor 4:6, Ef. 5:8).
A referência às “excelências de Deus” referem-se às novas realidades abençoadoras de Deus : ser eleito, precioso e responsável pela adoração a Deus. Tais bênçãos são frutos da fé. É ela que nos eleva à categoria de proclamadores. O reforço que o apóstolo faz para que “proclameis” é um imperativo kerigmático da experiência e vivência da fé cristã.
O verso 10 é uma confirmação dos resultados da fé cristã. Essa confirmação é caracterizada pelos adjetivos “sois povo de Deus “ e “alcançastes misericórdia “. esses adjetivos representam a elevação dos que crêem na Pedra Eleita, Viva, pois são “da misericórdia de Deus“. Diríamos que a convicção da fé em Cristo, experimentada pela comunidade, é tão enfática que alcança o favor imerecido de Deus. A misericórdia, atributo de Deus, era caracterizado na literatura vétero-testamentária como inalcançável, mas na visão petrina, é dada àqueles que crêem. Essa misericórdia é, então, a nova identidade que o “povo” alcançou “de Deus”. 

1 Para um estudo mais detalhado sobre figuras a respeito de Cristo veja : MATEOS, Juan e CAMACHO, Fernando. Evangelho : Figuras & Símbolos, Editora Paulinas, São Paulo, 1991.

2 LASOR, Wilhan S. Gramática Sintatica do Grego no Novo Testamento. Editora Vida Nova, 1986

3 RIENECKER, F e ROGERS, C. Chave Linguística do Novo Testamento. Editora Vida Nova. São Paulo, 1995, pp 556

4 O sumo-sacerdote no VT é figura também constituída por Deus, mas este apenas apresentava sacrifícios “visíveis “ a Deus ( animais, oblação, libação, expiação, etc ), e responsável por representar o pecado do povo perante Deus. Os auxiliares ( sacerdotes ) não detinham posição de sumo-sacerdote, daí apenas um ser o responsável pelos atos litúrgicos.


5 GABEL, John B. et al. A Bíblia como Literatura. Edições Loyola. São Paulo, 1993, pp 27 - 48.

1   2   3   4   5   6   7   8   9   10   11   12   13   14   15
16   17   18   19   20   21   22   23   24   25   26   27   28

Nenhum comentário:

Postar um comentário