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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

IX - A LEI DO ESPÍRITO DA VIDA

Parte IX
A LEI DO ESPÍRITO DA VIDA

Tiago 4:1-6


"Portanto, não existe mais condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus. A Lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te libertou da lei do pecado e da morte. De fato -- coisa impossível à Lei, porque enfraquecida pela carne -- Deus, enviando o seu próprio Filho numa carne semelhante à do pecado e em vista do pecado, condenou o pecado na carne, a fim de que o preceito da Lei se cumprisse em nós que não vivemos segundo a carne, mas segundo o espírito. Com efeito, os que vivem segundo a carne desejam as coisas da carne, e os que vivem segundo o espírito, as coisas que são do espírito".


Romanos 8:1-5


ÍNDICE ANALÍTICO


Capítulo 1 - A Liberdade Cristã
Capítulo 2 - Não Há Nenhuma Condenação
Capítulo 3 - Paulo, Servo de Jesus
Capítulo 4 - O Coração das Escrituras
Capítulo 5 - Pela Graça, Dom de Deus 


CAPÍTULO 1: A LIBERDADE CRISTÃ


Tecnicamente, temos aqui dois blocos de textos: um maior, que é o capítulo 8 inteiro, cuja temática é a da vida cristã sob a lei do Espírito; e um bloco menor, que vai do versículo 1 ao 11, e que trata especificamente da vida emancipada por esta lei do Espírito.
O texto em análise está dentro desses dois blocos, que nos dão a linha de pensamento do autor: uma seqüência de análises sobre a vida emancipada (vs.1-11); a vida exaltada (12-17); a vida esperançosa (18-30); e a vida exultante (31-39). Dessa maneira, "neste capítulo, o apóstolo traça o curso da vida cristã, na qual a graça triunfa sobre a lei, e os crentes experimentam livramento do pecado".1
A epístola de Paulo, como um todo, enfoca três blocos temáticos: do capítulo 1 ao 8, fala da justificação pela fé; do capítulo 9 ao 11, discute a exclusão temporal dos judeus e a inclusão dos gentios ao povo de Deus; e do capítulo 12 ao 16, exortações práticas.
Ao analisar a justificação, mostra que a salvação do homem repousa fundamentalmente sobre a fé, proveniente da graça de Cristo e não na lei de Moisés. Essa misericórdia de Deus não depende da lei, porque o homem, em sua natureza pecaminosa, não tem como responder efetivamente às exigências da lei, que expressa a santidade de Deus. Assim, a graça provem de Cristo, que no seu amor e sacrifício, perdoa os pecados dos homens. A liberdade da vida cristã, liberdade diante da lei, não depende do próprio homem, nem do que ele possa fazer, mas daquilo que Cristo já fez por ele.
Há uma outra epístola de Paulo, que também trata dessa relação lei versus graça, que é a carta escrita aos Gálatas, onde o capítulo correlato a Romanos 8 é Gálatas 5. Ali, o apóstolo escreve sobre a justificação pela fé, falando da liberdade cristã.
Sem dúvida, a análise de Paulo parte de elementos vetero-testamentários, que descreve no capítulo 4 de Romanos, ao explicar que a promessa feita a Abraão teve por base a fé, já que ainda era incircunciso e não tinha a lei, enquanto formalização apresentada a Moisés.
A passagem analisada encaixa-se perfeitamente não somente na linha geral de pensamento do autor, mas dentro do ensinamento bíblico como um todo. 


CAPÍTULO 2: NÃO HÁ NENHUMA CONDENAÇÃO


O texto que estamos analisando está inserido numa epístola, forma literária específica, amplamente utilizada pelos apóstolos e pela igreja primitiva. No capítulo que segue, analisaremos com mais detalhes esta forma literária, inserindo-a no contexto histórico de gregos e romanos durante o primeiro século da era cristã.
A epístola aos Romanos é uma carta de difícil compreensão. Isto porque Paulo tinha o costume de escrever intercalando um pensamento central com várias digressões, tornando complexa a conexão das idéias expostas. Outra dificuldade é o próprio tema, já que o apóstolo estava tratando de um assunto eletrizante para a época, mas hoje aceito pela totalidade cristã: os gentios podem ou não tornarem-se cristãos sem serem prosélitos dos judeus? 
Em Romanos 8:1-5, encontramos cinco verbos fundamentais para a compreensão do que o autor está expondo. São eles: 
(1) o oposto ao estado de escravidão, receber alforria, não estar sujeito a uma obrigação, livrar, libertar. "Te libertou", variantes: "me libertou", "nos libertou". É um aoristo passado, isto significa que a ação foi plenamente realizada, mas segue vigente no presente.
(2) penalidade imposta por condenação judicial, servidão penal, condenar. Também é um aoristo passado.
(3) encho, aterro, encho a ponto de transbordar, dou plenitude, cumpro.2
(4) ando, vivo, dirijo minha vida.
(5) penso, ter a mente controlada por, ter como hábito de pensamento, inclinar-se.
Desses verbos, dois são antônimos (receber alforria versus condenado judicialmente) e levam à oposição que o autor quer mostrar entre a lei do Espírito da vida e a lei do pecado e da morte. Assim, ao regime do pecado, Paulo opõe o novo regime do Espírito (cf. 3:27+), e diz que em nós transborda o espírito da lei. Esse preceito da lei (que pode ser traduzido como "o que é justo/o que é bom na lei"), cujo cumprimento só é possível pela união com Cristo através da fé, tem sua tradução no mandamento do amor (cf. 13:10, Gl 5:14 e Mt 22:40). Isto porque, não vivemos segundo a carne, mas andamos no Espírito, ou seja, temos a mente controlada pelo Espírito.
É interessante notar que a palavra lei aparece 70 vezes no texto de Romanos e sempre tem uma das três conotações: (a) revelação de Deus e de sua santidade, (b) foi dada para esclarecer o que é pecado, e (c) existe para orientar a vida daquele que crê.
Da mesma maneira, a palavra carne é sempre utilizada em Romanos com um dos quatro sentidos: (a) natureza humana fraca (6:19), (b) natureza velha do cristão (7:18), (c) natureza humana de Cristo (8:3), (d) e natureza humana não regenerada (8:8).
O capítulo 8 de Romanos nos apresenta a operação do Espírito Santo, entendida nos versículos 4, 5, 6 e 10, como aquele que comunica a vida. No versículo 2, como aquele que dá liberdade. E no versículo 26, como aquele que intercede pelos crentes junto ao Pai.
É interessante notar que o texto original de Romanos 8, em grego, começa com dois advérbios intercalados por uma partícula ilativa, que poderíamos traduzir assim: "Atualmente, por isso, nada em absoluto..." pode condenar aqueles que estão em Cristo Jesus 
Essa partícula ilativa, que é um conectivo, nos leva ao capítulo 7, onde o Paulo mostra que lei e pecado não são sinônimos. E que há uma grande diferença entre a natureza da lei e a natureza humana. Entre o que é Espírito e o que é carnal. O corpo, com os membros que o compõem (7:24) interessa a Paulo enquanto instrumento da vida moral. Submetido à tirania da carne (7:5), ao pecado e à morte (6:12+; 7:23), Paulo clama: quem me livrará? E dá "graças a Deus, por Jesus Cristo, nosso Senhor" (7:25). É a partir desse clímax, que o apóstolo dá seqüência ao texto, informando que "por isso", "hoje", "nada em absoluto" pode condenar os que estão em Jesus Cristo. 


CAPÍTULO 3: PAULO, SERVO DE JESUS


No mundo de gregos e romanos, as cartas particulares tinham em média, cerca de noventa palavras. Já os textos literários, como os de Sêneca, por exemplo, tinham em média duzentas palavras3. As epístolas de Paulo, no entanto, eram bem maiores. A menor delas, dirigida a Filemon, tem 335 palavras, e a maior, enviada a igreja de Roma, 7.101 palavras. Assim, podemos dizer que o apóstolo Paulo criou um novo gênero literário, a epístola, maior que as cartas e os textos literários comuns à época, de conteúdo teológico explícito, e dirigida a comunidade específica.
Quase sempre, as cartas eram ditadas a um escriba profissional, chamado amanuense, que usava uma espécie de taquigrafia durante o ditado rápido. Depois, o amanuense burilava o texto, e o autor, finalmente, editava a carta. Na carta de Paulo aos Romanos seu amanuense foi Tércio (Rm. 16:22).
Quando escreveu sua epístola aos Romanos, Paulo era um cristão maduro. Tinha mais de cinqüenta anos e 25 anos de conversão. Estava ansioso para ministrar nessa igreja, que já era conhecida no mundo cristão (1:8), e por isso escreveu a carta que deveria preparar sua futura visita (15:14-17). Foi escrita em Corinto, possivelmente no ano 58 d.C., quando Paulo estava levantando um coleta para os irmãos da Palestina. Partiu, então, para Jerusalém para entregar o dinheiro. Lá é preso, e acabará sendo levado à Roma, mas como prisioneiro. 


CAPÍTULO 4: O CORAÇÃO DAS ESCRITURAS


Para muitos teólogos, que vão de Orígenes a Barth, a carta do apóstolo Paulo aos Romanos é o ponto alto das Escrituras. Ela sedimentou a fé de Agostinho e a Reforma de Lutero. Calvino, por exemplo, considerava que quem entendesse Romanos estaria com a porta aberta para a compreensão de toda a Bíblia. E Tyndale também diz algo parecido, ao afirmar que Romanos é "a parte principal e mais excelente do Novo Testamento, e o mais puro Evangelion, isto é, as boas novas a que chamamos Evangelho, e também uma luz e um caminho para penetrar em toda a Escritura"4.
Em termos de doutrina, Paulo em Romanos mostra que a Lei de Moisés, em si boa e santa (7:12), fez o homem conhecer a vontade de Deus, mas não lhe transmitiu a força para cumpri-la. Deu-lhe consciência de seu pecado e da necessidade que tem de socorro (3:20, 7:7-13). Esse socorro, inteiramente gratuito, chegou através de Jesus. E a humanidade, morta no pecado, é recriada em Cristo (5:12-21), podendo agora viver em liberdade e justiça, segundo a vontade de Deus (8:1-4).
Romanos tem como tema central a revelação da justiça de Deus e a universalidade da obra de Cristo. E, se Romanos é o centro nevrálgico das Escrituras, o capítulo 8 é o coração de Romanos. 


CAPÍTULO 5: PELA GRAÇA, DOM DE DEUS


O capítulo 8 de Romanos mostra que a lei foi, através do sacrifício de Cristo, dominada pela graça. Como vimos neste estudo, a epístola de Romanos é fundamental no processo vivenciado pela Reforma. A igreja que rompe com o catolicismo romano, quer a reformada de Lutero, Calvino e Zwinglio, quer a revolucionária de anabatistas e inspiracionistas, entende que o apóstolo Paulo traça na epístola aos Romanos o curso da vida cristã, mostrando que através da graça há vitória plena sobre o pecado.
Paulo queria deixar claro que as propostas judaizantes não tinham razão de ser, pois a obediência à lei nunca logrou êxito. Através de Cristo, unido a Cristo pelo Espírito, aquele que crê está absolvido de seus pecados e pode iniciar uma vida de liberdade, dentro de uma nova lei, a lei do Espírito da vida em Jesus Cristo.
O que os cristãos do século XVI entendiam, contextualizando os ensinamentos de Paulo, é de não havia mais necessidades de obras e penitências para se alcançar a salvação. O que a Igreja Católica Romana proclamava, tanto no que concerne às indulgências, como às obrigações de caridade, estava fora da doutrina cristã pregada por Paulo nas epístolas aos Romanos e Gálatas, assim como no restante das Escrituras.
Ainda hoje Romanos apresenta ensinamentos fundamentais para a igreja de Cristo: a pecaminosidade do homem (1:18-3:30); sua desesperada luta interior (7:14-25), a gratuidade da salvação (3:21-24), a eficácia da morte e ressurreição de Cristo (4:23-25, 5:6-11, 6:3-11), a justificação pela fé (5:1-2) e nossa adoção como filhos (8:14-17).
É a partir desta hermenêutica, delineada nos vários passos apresentados neste trabalho, que o trecho de Romanos 8:1-5 deve ser interpretado. Teremos, então, uma melhor compreensão daquilo que o apóstolo Paulo chama de "a lei do Espírito da vida em Jesus Cristo" e de sua importância no caminhar do cristão.
Pr. Jorge Pinheiro 


BIBLIOGRAFIA Recomendada

Dobson, John H., Aprenda o Grego do Novo Testamento, CPAD, Rio de Janeiro, 1994.
Gundry, Robert H., Panorama do Novo Testamento, Edições Vida Nova, São Paulo, 1991.
Halley, H. H., Manual Bíblico, Edições Vida Nova, São Paulo, 1993.
Rega, Lourenço Stelio, Noções do Grego Bíblico, Edições Vida Nova, São Paulo, 1993.
Taylor, W.C., Dicionário do Novo Testamento Grego, JUERP, Rio de Janeiro, 1991.

The Greek New Testament, United Bible Societies, USA, 1994.

Virkler, Henry A., Hermenêutica - Princípios e Processos de Interpretação Bíblica, Vida, São Paulo, 1994. 


1 Davidson, F., "O Novo Comentário da Bíblia", Edições Vida Nova, São Paulo, 1994, pág. 1167.
2 "Cumprir, isto é, fazer que a vontade de Deus (revelada na Lei) seja obedecida como deve ser, e as promessas de Deus (dadas pelos profetas) recebam seu cumprimento". Taylor, W.C., Dicionário do Novo Testamento Grego, JUERP, São Paulo, 1991, pág. 177, verbete plhrow, in citação de Thayer.
3 "A usual folha de papiro media cerca de 34 cm x 28 cm (...), podendo acomodar entre 150 e 250 palavras (...), e a maioria das cartas antigas não ocupava mais que uma página de papiro". Gundry, Robert H., Panorama do Novo Testamento, pág. 287. Ed. Vida Nova - São Paulo.
4 Packer, James I. in O Conhecimento de Deus, pág. 235. Editora Mundo Cristão, São Paulo.

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