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quinta-feira, 11 de março de 2010

LXVI - Seita Opus Dei: Controle Da Mente e Disciplina Selvagem

Parte LXVI
Seita Opus Dei: Controle Da Mente e Disciplina Selvagem

Vejam na entrevista a seguir como uma seita terrível se esconde dentro de um grupo religioso maior, de modo que pode ficar dezenas de anos sem ser descoberta. A seita Opus Dei usa a tortura para impor sua férrea e selvagem disciplina. Conheçam como os entrevistados pela Revista Época conseguiram sair desse inferno. Num país sério, o caso seria entregue à Polícia. Aliás, se confirmadas as denúncias, é um caso de polícia. Os dirigentes da Opus Dei – que na verdade se trata de um poder poderoso no seio da Igreja Católica – têm o dever de vir a público dar explicações. E os pais têm o dever de investigar o que está acontecendo com seus filhos no interior da Opus Dei. 12.11.05 http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT1062513-1655-1,00.html Íntegra da entrevista com os ex-membros da Opus Dei Época - Por que vocês escreveram o livro?

Jean Lauand - As pessoas costumam sair do Opus Dei massacradas, culpadas, condenadas nessa e na outra vida e absolutamente isoladas porque os ex-membros são tratados como mortos. Fotografias e registros são suprimidos dos arquivos. Seu nome não pode ser citado. Depois de descobrir que fomos manipulados por anos, saíamos culpados, com problemas psicológicos terríveis e sozinhos. Criamos o site para que as pessoas pudessem se encontrar e trocar experiências. Mas chegou um momento em que achamos que o site dava muito trabalho e queríamos acabar com ele. Então o Dario (Fortes Ferreira) disse: 'Quero que meus filhos tenham informação sobre o Opus Dei. Não quero que eles sejam enganados'. Recolhemos 150 depoimentos e gravamos mais de mil horas de conversa. O livro levou seis meses para ficar pronto.

Época - Vocês três entraram para o Opus Dei antes dos 18 anos (Silva e Ferreira com 15 e Lauand aos 16 anos). É uma estratégia aliciar adolescentes, por ser uma fase da vida em que todos estão confusos com seus papéis, descolando-se da família e buscando um grupo para se identificar?

Marcio Fernandes da Silva - Me lembrei de uma frase do fundador (Josemaría Escrivá): “É bom que venham bem jovens às vocações”. O que está por trás é a inexperiência da vida típica dessa fase. É muito mais fácil doutrinar uma personalidade em formação. Lauand - Na década de 60, o Opus Dei era uma presença real na USP, especialmente na Escola Politécnica. Hoje apenas três professores pertencem à Obra e há pelo menos 20 ex-membros.. Estão aliciando pessoas cada vez mais jovens, crianças nos clubinhos. Assim como os filhos dos supernumerários (membros externos, que podem casar e devem ter o maior número de filhos possível).

Época - Como acontece esse aliciamento?

Silva - Nos clubinhos anexos ao centro. Têm um autorama, fazem montagem de aquários, coisas artísticas. São atividades de fachada para que a criança vá se acostumando com aquele grupo. Mais recentemente o aliciamento começou a ser feito no Colégio Catamarã, uma escola de educação fundamental também com separação de sexos, em São Paulo. Mas não dizem que é do Opus Dei. É dirigido por pessoas fortemente ligadas à Obra. Dentro do Opus Dei, o Catamarã é chamado de cata-moleques.

Época - Você conta que quando estava na Obra fazia aliciamento e não dizia que era do Opus Dei…

Silva - Fazer proselitismo é uma das obrigações dos membros do Opus Dei. Você é lembrado diversas vezes por semana de que precisa conseguir outras vocações de numerários. Quando eu estava no Colégio Aplicação, da USP, eu convidava meus amigos para participar dos clubes em competições de estudo, por exemplo. Dizia que era apenas um centro cultural. Era essa a instrução do diretor, que dizia o seguinte: “Só depois você conta que é do Opus Dei, para que primeiro a pessoa conheça o centro e vá se envolvendo pouco a pouco”. Mais tarde eu convidava para uma meditação do sacerdote. Introduzia a pessoa lentamente.

Época - Vocês usavam o cilício, se auto-flagelavam?

Lauand - Todos faziam, não só eu. Os numerários usam o cilício em casa. Duas horas por dia. E as disciplinas, auto flagelação, uma vez por semana enquanto dura uma oração, por exemplo, uma Salve Rainha. Chicote na nádega. Dá algumas dezenas de chicotadas. E isso é visto como uma grande manifestação de amor a Deus. Tem o sentido da penitência. Para um católico sadio a penitência está na caridade. Ver Cristo no outro. Como para o Opus Dei a caridade não existe, você troca pelo cilício.

Época - Ficaram com cicatrizes?

Lauand - O cilício deixa marcas. Dói como ferro penetrando na carne. Depois de alguns anos a gente perde. A primeira coisa que eu fiz quando saí foi jogar fora.
Sliva - A gente usa na coxa, uma vez numa, outra na outra. Dá para ir variando. Parece uma coleira de cachorro com ponta de ferro que penetra na carne. Você faz uma pressão e amarra. Encaixa e faz pressão na perna. Usávamos durante o dia, normalmente. Eu fazia depois do almoço, das 14 às 16h. É significativo porque mostra o grau de controle mental que a instituição consegue sobre o indivíduo.

Época - Por que vocês se submeteram a isso?

Silva - Entramos muito jovens, o nosso mundo passa a ser aquele, todos os nosso amigos estão lá. Somos proibidos de ler o que queremos, de ir ao teatro e ao cinema, a TV é chaveada, o jornal já chega editado. Somos proibidos de ter amizade com gente de fora, nosso contato com a família é restrito. Quando nos impõem a vocação - porque ela não parte de nós, mas deles - dizem que não devemos falar com nossos pais, que neste terreno os pais são os piores inimigos. Somado a tudo isso, ficamos xx dias por ano em reclusão. Passamos a viver numa realidade artificial.

Lauand - Sequer podemos comprar a armação do óculos sozinhos. É o diretor que escolhe.

Época - Como conseguiram sair então?

Lauand - Eu tinha uma situação especialíssima como numerário. Interessava a eles ter um intelectual, então tinha uma permissão especial para ler tudo o que queria. No final me proibiram. Seria uma deslealdade para com os alunos, um professor que não lê. Comecei a investigar a fundo o que tinha acontecido com gente por quem eu me sentia responsável e que tinha sumido. Fui atrás de um por um. Um deles, especialmente, que é uma das cabeças mais brilhantes da USP, estava sofrendo terrivelmente. Perguntei ao que seria o José Dirceu (ex-chefe da Casa Civil do governo Lula) do Opus Dei o que tinha acontecido e a resposta foi: 'Nosso Padre sempre dizia que a soberba é o pior pecado. Ele começou a pensar mais na carreira, mas não vou falar mais porque seria chato falar da vida dele. Reza por ele.' E assim já tinha destilado o veneno. Sempre insinuam algo da ordem sexual ou arrogância. Levei 10 anos nesse processo, até conseguir sair.

Época - Quais são os livros proibidos pelo Opus Dei?

Lauand - Todos os filósofos desde Descartes. Grandes nomes da literatura como José Saramago, James Joyce, Umberto Eco, Sartre. Há níveis de restrição. Por exemplo, O Alienista, de Machado de Assis, está no nível três. Havia numerários que estavam na Obra há cinco anos e não tinham autorização para ler livros no nível três. Para ver o ponto em que se chega, uma vez recebi um e-mail de uma supernumerária. Ela queria que eu indicasse uma leitura crítica do Ensaio sobre a cegueira, do Saramago. Dizia o seguinte: “Não li o Ensaio porque acredito que sairia ferida com essa leitura. Gostaria, justamente, de ler uma crítica feita por um católico de cultura geral inquestionável (penso que de conduta também!) e por isso pensei no senhor”. Era professora universitária e não se atrevia a ler Saramago. 

Época - Vocês falam na chamada 'Conversa Fraterna', em que precisam revelar todos os pensamentos a alguém que não escolhem. Como é?
Lauand - Uma vez por semana 45 minutos do que chamam “sinceridade selvagem”. Não pode esconder nada. Assim ficam sabendo de tudo. São Jose María prescrevia contar as coisas que você não gostaria que outra pessoa soubesse, começando com “o sapo gordo que está dentro da alma”. Se não conta, cria “um segredo de Satanás”.. Por isso, em geral começava com a castidade.

Época - Tem esse lado do Opus Dei, que chama mais atenção, do cilício e do celibato de leigos, que diz respeito à vida privada, mas há um outro, que é a sua penetração nas instâncias de poder, que atingiria toda a sociedade. No Brasil, estariam especialmente na Mídia e no Judiciário. Como funciona essa estratégia?
Silva - O tipo de poder que o Opus Dei busca é o poder sobre o pensamento do indivíduo 24 horas por dia. Como os membros são bem situados, é através do poder sobre eles que conseguem influenciar as instituições. O pensamento básico é: o mundo e a própria Igreja Católica estão perdidos, mas nós temos a salvação porque recebemos a mensagem de Deus de santificação de todas as realidades terrenas. E isso justifica que a instituição passe por cima de qualquer noção de ética. O fim, a salvação do mundo, que só nós temos, justifica qualquer meio.
Lauand - Na Mídia há um gênio que é o Carlos Alberto Di Franco, pessoa de uma simpatia e sedução incomparáveis e que há anos realiza o Curso Master em Jornalismo da Universidade de Navarra, que é do Opus Dei. Ele faz parte dos intocáveis que falamos no livro. Tem privilégio para mostrar uma imagem pública bonita e interessante do Opus Dei. O numerário que dá aula no Master, por exemplo, pode estar acompanhado todo o tempo por uma bela jornalista, no carro dela, o que é proibido para qualquer outro numerário.

Silva - O fundador tem uma frase: “embrulhar o mundo em papel impresso”. É um plano do Opus Dei. Quando Carmen Tapia (ex-numerária do Opus Dei na Espanha, escreveu o livro Tras el Umbral; una Vida en el Opus Dei), teve uma das últimas conversas com Escrivá, ele disse a ela: “Eu tenho a imprensa mundial nas minhas mãos. Portanto você não abra a sua boca para dizer nada”. Isso foi na década de 60. Ele se dizia dono de toda a Mídia. É claro que fazia parte da personalidade megalomaníaca do fundador, ele não tem toda a imprensa na mão. Mas é uma aspiração e um plano fortíssimo. A partir do final dos anos 80 entraram com tudo nas redações.

Época - Poder para quê?

Lauand - Poder em si. O Opus Dei usa a Igreja Católica e está fazendo muito mal a ela. Os católicos não sabem disso, a Igreja parece que não sabe disso. Vou dar um exemplo de como o Opus Dei age. Em 1980, João Paulo II, que recém tinha se tornado Papa, veio ao Brasil. Naquele tempo o Opus Dei estava interessado em coisas muito concretas: o estatuto de prelazia, que lhe dava isenção, e a beatificação do fundador. Em 1980 a Obra estava em São Paulo e mal e mal em Curitiba, Rio e Campinas. Só quatro cidades. Era inexpressiva. Montou-se uma operação de guerra dizendo que o Papa estava abandonado e sozinho, que no Brasil só havia bispos de esquerda e que era preciso demonstrar que ele contava com o carinho dos fiéis do Opus Dei. E onde quer que o Papa fosse, de Porto Alegre a Fortaleza, aparecia gente do Opus Dei com faixas onde estava escrito “Univ, Univ, viva o Papa, Univ, totus tuus”. Univ é o nome de um congresso, organizado pela ONG italiana Instituto per la Cooperazione Universitaria (ICU), cujo objetivo é levar a Roma, todos os anos, por ocasião da Semana Santa, jovens do Opus Dei de vários lugares do mundo. Como o slogan é repetido à exaustão, o Papa, em qualquer lugar do mundo, reconhece Univ como sendo Opus Dei. E “totus tuus” é o lema de João Paulo II e significa “todo teu”. Eu comandei essa operação em Brasília. A ordem era sair na mídia a todo custo, 10 pessoas fazer o barulho de mil, e a mídia toda só deu aquilo que ninguém sabia o que era. O Papa, que veio da Polônia e sofreu o diabo com os comunistas, veio ao Brasil, onde havia uma Igreja comprometida com a Teologia da Libertação, e só encontrava gente que dizia: “Santo Padre, sou do Opus Dei e estou rezando pelo senhor”. Se conseguisse furar o bloqueio e dizer isso a ele valia muitos pontos. Basta pegar as fotos e imagens de TV daquele tempo. Só dava Opus Dei. Conseguiram o estatuto de prelazia.

Época - No livro, vocês contam uma história sobre um encontro entre russos do Opus Dei e João Paulo II…

Lauand - O grande sonho de João Paulo II era ir a Rússia, mas nunca conseguiu. Primeiro o governo comunista não deixava, depois a Igreja Ortodoxa. Mas na Páscoa, em Roma, em um encontro com jovens do Opus Dei, encontrou 31 russos: um de verdade e 30 de Navarra. Cantaram em russo perfeito. No final um dos russos foi beijar a mão do Papa e falou em russo com ele, dizendo em russo que o amavam. O Papa se emocionou. Depois eles dão risada. É a grande jogada de marketing.

Época - Como foi voltar para o mundo?

Lauand - Em palavras do fundador: “os que perdem a sua vocação, a vocação não se perde, se joga pela janela, são sempre traidores. Não conheço nenhum que seja feliz. Em 15 dias estão um trapo. E mesmo aquelas coisas que aos pobrezinhos dos homens dá algum prazer, para eles se tornam amargas como o fel.” Assistir um jogo de futebol, beijar uma namorada, conversar com um amigo. O cara sai com esse presentinho, que foi repetido a ele durante anos. Já deixou todo o dinheiro lá. No meu caso, um pobre professor, um milhão de reais. É como no filme em que o Morgan Freeman (Um Sonho de Liberdade) sai da prisão mas precisa que o dono do supermercado lhe dê permissão para urinar. Sem licença, ele não consegue urinar.
Silva - Eu faço uma analogia com aquela cena do Matrix, em que o Neo se liberta daquela cúpula em que ele funcionava como uma pilha de energia. Como ele, eu era apenas um instrumento da grande máquina de manipulação que é o Opus Dei. Já liberto, ele está na nave mas está fraco, precisa refazer os músculos porque ele nunca usou os músculos. Como ele, eu não estava pronto para viver fora daquela bolha artificial. Busquei ajuda de psicólogos até me equilibrar e deixar aparecer o Márcio verdadeiro. A instituição tinha destruído a minha personalidade. Sofri uma programação para assumir a personalidade robótica da instituição. Isso é claramente lavagem cerebral ou controle mental. Para mim teve o agravante que foi minha primeira visão de mundo. Eu tinha 10 anos quando comecei a frequentar o centro. Quando eu saí, foi como se eu tivesse nascido novamente. E, sim, saí virgem..

Época - Vocês escrevem que muitos numerários sofrem de transtornos mentais e são tratados por um psiquiatra uruguaio, numerário do Opus Dei. Como é isso?

Lauand - Ele vem um vez por mês fazer a dosagem geral, porque há muita gente com transtornos mentais. Vem para isso. Se a pessoa começa a não ter paciência de ouvir as palestras, 30 miligramas. E assim vai transformando as pessoas em zumbis, ficam dóceis porque estão dopadas. No Brasil não há psiquiatra numerário e eles não permitem se consultar com quem não seja da obra.

Época - Homens e mulheres vivem totalmente separados no Opus Dei. A mulher é vista como algo pernicioso?

Silva - Há milhares de regrinhas. Não se pode ficar numa sala fechado com uma mulher. Se tiver de ficar, tem de abrir a porta. Carona, nunca. O tratamento não pode ser na forma diminutiva, tipo Ju para Juliana ou marcinha. Beijinho no rosto, nem pensar. Se viajar de ônibus e sentar do lado de uma moça, tem de tentar trocar de lugar. Sobretudo se a viagem for noturna. Lauand - A mulher tem prescrições especiais por ser considerada mais vulnerável. Os homens podem dormir em colchões normais, as mulheres têm de dormir em tábuas. Tem de domar mais seus instintos perigosos. São proibidas de segurar crianças no colo. Não podem assistir a casamentos. O fundador diz: “Aquele que puder ser sábio não lhe perdoamos que não seja. Às mulheres, basta que sejam sensatas”.

Época - Vocês sofreram ameaças?
Lauand - Não podemos falar. Evidentemente o Opus Dei não está satisfeito com o livro.

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