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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

XXI - O MANIFESTO DE NAZARÉ

Parte XXI
O MANIFESTO DE NAZARÉ

 "Chegando [Jesus] a Nazaré, onde fora criado, entrou, no dia de sábado, na sinagoga, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías; e abrindo-o, achou o lugar onde estava escrito: O Espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e restauração da vista aos cegos, para por em liberdade os oprimidos, e para proclamar o ano aceitável do Senhor. E fechando o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele. Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta escritura aos vossos ouvidos" (Lc 4.16-21).



A cima está transcrito o que é denominado por alguns de A Plataforma ou O Manifesto de Nazaré. Em pouquíssimas palavras, está registrado o que Jesus realizaria em Seu ministério. Não é verdade que, em época de eleições, ouvimos as plataformas dos candidatos a posições políticas, e que alguns dos projetos são tão mirabolantes quanto inacreditáveis?

Não é o caso de Jesus, o qual, ao apresentar a Sua plataforma, estabeleceu as ações do reino de Deus no mundo. Aliás, no Evangelho de Marcos 1.7, 8, encontramos João Batista, dizendo, "Após mim vem aquele que é mais forte do que eu, do qual não sou digno de, abaixando-me, desatar a correia das suas sandálias. Eu, na verdade, vos batizei em água, mas ele vos batizará no Espírito Santo". No verso 15 deste mesmo capítulo, diz o Mestre: "O tempo está cumprido, e é chegado o reino de Deus. Arrependei-vos, e crede no evangelho". O reino de Deus aí está, foi inaugurado quando Jesus Cristo anunciou Sua plataforma na cidade de Nazaré, mais precisamente nesta leitura do profeta Isaías feita na sinagoga num dia de shabbat.

"O Espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres..."

Nos domínios do evangelho, tudo começa com a unção. Tudo. Não fora a unção, e não estaríamos realizando qualquer obra para o reino de Deus.

A história da unção na Bíblia Sagrada é antiga. Nos relatos históricos de Israel, encontramos que eram ungidos sacerdotes, reis e profetas. A primeira pessoa a ser ungida em Israel foi um sacerdote, Aarão. Em Levítico 8, encontra-se a narrativa da cerimônia de sua unção como Sumo-sacerdote (Cohen haGadol) e de seus filhos como sacerdotes (cohanim). É um ritual muito simbólico, por isso tocante, bonito e cheio de ricas lições.

A unção acontecia quando o óleo (artesanalmente preparado com azeite de oliva misturado com especiarias, madeiras perfumadas, essências, de modo, portanto, especial e exclusivo para utilização no Templo) era derramado sobre a cabeça do que seria ungido. Deste modo, era utilizado na consagração dos sacerdotes, dos profetas e dos reis. O Salmo 133 registra que a comunhão dos fiéis "é como o óleo precioso sobre a cabeça, que desce sobre a barba... de Arão, e que desce à orla das suas vestes" (v. 2).

Esse simbolismo do Antigo Israel vai encontrar uma forma mais efetiva na Nova Aliança: já não é com óleo, concreto, portanto. Aliás, o que ocorre na Antiga Aliança sempre aponta para o que acontecerá no Novo Pacto. Cada festividade de Israel é uma sombra do que está previsto na Nova Aliança. O óleo é símbolo do Espírito Santo um dia derramado sobre a nascente Igreja, o Espírito que unge a Igreja, o Espírito que num dia de Pentecostes foi derramado sobre a Igreja (At 2.1ss).

Merece uma palavrinha o significado de "pobre" na Bíblia. O sentido mais amplo é o desvalido, o desprovido de recursos. A Teologia da Libertação explorou bastante este tema, e até utilizou a palavra hebraica, anawim, para designar aqueles que não têm absolutamente coisa alguma. Um modo pejorativo de designar o pobre no antigo Israel era chamá-lo de "gente da terra"(am haaretz), gente comparável a pó: sem a nobreza do diamante nem de metais ou pedras preciosas, apenas pó. Essa é uma primeira idéia.

No entanto, o conceito se amplia, e no dizer de Jesus, o pobre, o "humilde de espírito", não é aquele pobre coitado que não tem muitas luzes. É o que reconhece a sua indigência espiritual e sente que precisa de Deus, dos tesouros de Deus, e quer a Sua bênção, e deseja se alimentar com esse banquete da parte de Deus. Isso significa que "o Espírito me ungiu [diz o Senhor] para evangelizar aquele que se sente necessitado da graça, da misericórdia, da presença, da manifestação graciosa e amorosa de Deus".


"... enviou-me para proclamar libertação aos cativos..."


Ele foi enviado com a finalidade de proclamar liberdade aos cativos. Realmente, depois da unção, tudo prossegue com o envio. Isso ocorre na vida da igreja, mas também na vida individual, na sua vida. No dia em que você, meu irmão, minha irmã, recebeu a Cristo como seu Salvador, você foi ungido. O Espírito foi derramado sobre você, razão porque em João está dito com clareza que precisamos "nascer da água e do Espírito" (cf. 3.5). A Primeira Carta de João nos assegura que a unção que dEle temos nos ensina todas as coisas, e é verdadeira (2.27). E agora temos que ir, prosseguir. E nesse pro-seguimento temos que proclamar a libertação aos aprisionados pelo Maligno. Observe que "cativos" está em paralelo a "pobres". "Pobre" é o indigente espiritual, "cativo" é o que não tem como se libertar das algemas espirituais. 

Enviar na língua dos Evangelhos é apostoleo, é o verbo "apostolar". Isso significa que você é um apóstolo. Quem não tem o que fazer, inventa novidade: há pessoas que vão inchando em megalomania, não entendo bem como nem porque, em lugar de ficarem mais humildes. Na realidade, devemos perguntar ao Senhor o que foi Ele viu em nós para nos chamar para essa santa tarefa. A autocrítica nos leva a sentir que tudo vai depender da graça de Deus, da Sua misericórdia da qual tanto e continuamente dependemos.

Talvez a resposta esteja na falta de compreensão do sentido das palavras para os primeiros ouvintes ou primeiros leitores (o que se chama exegese), ou o sentido das palavras hoje (a hermenêutica). Por não compreenderem estas duas ciências de apoio à pesquisa bíblica, há quem distinga bispo de pastor. Ensina a Palavra de Deus que é a mesma pessoa, mas há quem julgue que bispo é hierarquicamente superior a pastor. Uma jovem veio ao meu gabinete. Na conversa, perguntei-lhe de que igreja era membro. Respondeu que era da Igreja X.

- "Ah! A do pastor Fulano?"
- "Pastor, não: bispo..."
- "Ah, sim, é verdade! Também sou bispo."
- "O senhor é bispo? Não sabia..."
- "Sim; nunca lhe ensinaram que todo pastor de igreja é bispo?"
- "Não..."
- "Pois olhe aqui..."

E abri em Atos 20.17 em diante, texto claríssimo sobre o assunto, e que registra as três palavras (presbítero, bispo e pastor) colocadas juntas. Relata o texto que Paulo chegou a Mileto e mandou chamar os presbíteros da igreja de Éfeso (v. 17). Ao chegarem, faz uma exortação aos ministros presentes e diz, "Olhai por vós, e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue" (v. 28). Já dá para perceber que presbítero e bispo são funções da mesma pessoa. E mais: bispo e pastor, assim como o mencionado presbítero, são funções diferentes do mesmo vocacionado: os presbíteros foram chamados e Paulo os chama de bispos e pastores.

· Ministro de Deus é pastor (guia) quando está doutrinando, exortando, ensinando.
· É bispo (administrador) quando dirige a assembléia da igreja, ou quando assina um contrato em nome da igreja, visto que é uma função administrativa (bispo < episkopos = super + visor, supervisor, superintendente). · É presbítero (idoso) quando é procurado para aconselhamento. Nesse momento, é o "ancião", significado correto da palavra presbítero. A Igreja é que é apostólica, pois ela é quem é enviada. A Igreja é a irmã e o irmão, nós somos os enviados, razão porque o irmão é tão apóstolo quanto os que enchem o peito e se proclamam "Sou o Apóstolo Fulano de Tal".
Sim; somos enviados para proclamar libertação. Está em Efésios 4.8 que, "Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro, e deu dons aos homens". Jesus o fez: levou a escravidão algemada para a cruz do Calvário.


"... restauração da vista aos cegos..."

É um sinal do reino de Deus. Jesus chegou realizando sinais e milagres (Mt 4.23 24), evidências, provas de que o reino chegou.

A cegueira está também em paralelo com a pobreza e o cativeiro. Está como um fato espiritual.

Em Apocalipse, capítulo 3.17, dizia a igreja de Laodicéia, "Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta". Mas o Senhor na carta àquela comunidade alerta, "Mas não sabes que és um coitado, e miserável, e pobre, e cego, e nu". É a palavra de Jesus a uma igreja que tinha cegueira espiritual, e ainda estava cativa de tantos defeitos e mazelas. 


"...para por em liberdade os oprimidos..."


Os israelitas da época de Jesus sabiam o que era ser oprimido porque sempre haviam vivido em opressão. No Egito, apesar de viverem na região mais rica daquele pais (Góshen), estavam opressos. Mais adiante, foram oprimidos pelos povos cananeus, pelos assírios, pelos babilônios, pelos gregos, e na época do ministério terreno de Jesus, estavam opressos pelos romanos. Sim; eles sabiam o que era opressão.

Ocorre que a Plataforma de Nazaré fala da opressão trazida pela malignidade. Em Atos 10.37, 38 está registrado, "Esta palavra, vós bem sabeis, foi proclamada por toda a Judéia, começando pela Galiléia, depois do batismo que João pregou; como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder; o qual andou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele".

Ele mesmo, Jesus, foi oprimido. Em Isaías 53.4 há uma palavra sobre a opressão pela qual Jesus passou, "Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; contudo, nós o consideramos como aflito, ferido de Deus, e oprimido".


"...para proclamar o ano aceitável do Senhor"


É uma referência à era messiânica. No momento em que Jesus se revelou como o Messias, realizou ações como o Messias, instaurou o reino de Deus, o ano de aceitação foi iniciado. Isaías 61 foi o trecho que Jesus leu na sinagoga de Nazaré. É nele que se encontra todo o programa de trabalho do ministério messiânico de Jesus, Que veio proclamar o ano aceitável do Senhor.

Plano de trabalho mais abrangente não é possível; plataforma mais abençoada não se encontra. É a de Jesus, o Cristo de Deus, proclamada há dois mil anos e desde então tem abençoado todos os que do Salvador se aproximam.

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