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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

XX - O CRISTO CRUCIFICADO

Parte XX
O CRISTO CRUCIFICADO

Texto básico: 1Coríntios 1.18-24


 Muitos querem um evangelho sem cruz; muitos dizem, mesmo, que seria ótimo se o evangelho não tivesse dificuldades, se não exigisse tantos compromissos e sacrifícios. Muitos preferem um evangelho de facilidades, um evangelho sem conflitos. Vemos, no entanto, que mesmo Jesus viveu conflitos. Ele os viveu com os religiosos do Seu tempo (cf Mt 16.2; 23.13ss), e com os políticos da Sua época, já que falou da natureza apolítica da Sua missão (cf. Jo 6.15; 18.36). 

Jesus viveu conflitos interiores: é somente nos lembrarmos da experiência da tentação no deserto. E nunca o deserto foi tão deserto como quando Jesus estava só, sozinho, frente a frente com o Tentador. 


Jesus foi tentado a ceder ao material em detrimento da fortaleza espiritual (Mt 4.3). E não foi essa a tentação do prazer? O apelo ao apetite? A própria "concupiscência da carne"? Ora, o ser humano quer alimento, nós queremos e precisamos de alimento, queremos e precisamos de sono, e de amor, e tudo isso é muito natural, absolutamente normal e saudável. Se a necessidade não for satisfeita, o nosso corpo vai sofrer: a fraqueza bate, a doença vem, a debilidade orgânica chega, e, finalmente, a morte. Comer não é pecado. E ali está Jesus só, muito só no deserto. Quarenta dias, quarenta noites, longos dias, frias noites, Jesus está com muita fome, e Satanás aparece nessa hora, e insinua que Ele precisa comer. 

O pecado não era comer, mas, sim, colocar a vontade pessoal acima da vontade de Deus. Estamos falando de pão, e dar pão ao povo tem sido proposta de uma ala da religião que inverte as prioridades. Jesus Cristo não é indiferente ao apelo das massas. Se abrirmos em Marcos 8, veremos a demonstração plena do que Jesus Cristo fez, a segunda multiplicação dos pães e peixes (cf. vv.1-3). Jesus não é indiferente às necessidades materiais e condições sociais, mas não é um mero reformador político, como queria a quase falecida teologia de uma ala radical. Não! Jesus não foi um filantropo, apesar de ter realizado tantas obras extraordinárias para o benefício do ser humano. Houve até uma ocasião quando Jesus Cristo reclamou: "Em verdade vos digo que me buscais, não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e vos saciastes" (Jo 6.26). Pregar esse Cristo é pregar um Cristo completamente desfigurado. Não é o Cristo do Novo Testamento. 

Jesus foi tentado a ser libertador do povo judeu, e não o Redentor do mundo. Temos o fascínio do espetacular; é a tentação segunda, o "evangelho do espetaculoso". E Jesus se recusa a esse tipo de evangelho. Mas já que os judeus estão pedindo um sinal, não seria um extraordinário sinal se Jesus se lançasse do alto do Templo, 50m abaixo, para que os anjos de Deus O segurassem na queda? Não teria sido maravilhoso para o evangelho essa possibilidade de num instante se espalhar? Toda a Jerusalém não ficaria sabendo disso, e todos não aceitariam a Jesus?  Por que Jesus não o fez? Há quem se pergunte. Seria um sinal do agrado dos curiosos; seria do agrado dos fanáticos por emoção; seria, sem dúvida, um sinal para os crédulos, para os sensacionalistas! E seria a própria "concupiscência dos olhos" que João menciona na sua Primeira Carta (cf. 2.16b). E se Jesus o realizasse, não precisaria passar pela estrada do sofrimento, andar na estrada do Calvário, porque todo mundo ficaria sabendo, em um dia, o que Jesus havia feito. Mas, outra vez seria o evangelho do Cristo desfigurado. Por essa razão, quando desejaram que Ele fizesse algum sinal, Ele responde que não fará sinal algum (Mt 12.39; Lc 11.16,29).

Jesus foi tentado também a construir um reino terreno, não o reino de Deus. É a terceira tentação: a de negociar, a de ter o evangelho do sucesso, a "soberba da vida". 
"Concupiscência da carne", transformar pedras em pães; "concupiscência dos olhos", jogar-se de cima abaixo; e a "soberba da vida", construir um reino terreno. Evangelho das posses, e para isso,diz o Tentador, basta que Jesus Se ajoelhe aos seus pés. Bastava um instante, ninguém ia ver... Ali, só Satanás e Jesus... Mais ninguém presenciaria, e Jesus Se ajoelharia por um breve momento, e os sonhos que Jesus tinha se tornariam verdade. 

Pois é; Satanás ofereceu a Jesus Cristo uma vitória sem cruz, uma conquista sem morte, uma coroa sem Calvário, porque o Tentador tudo fará para que a pregação do Cristo crucificado não aconteça!

E não há quem ande pregando que aceitando alguém o evangelho, tudo se torna fácil? O dinheiro vem fácil, a fama vem fácil, as coisas acontecem com facilidade. É a idolatria do sucesso, o realce nos valores materiais da vida. E isso tem nome: secularismo. "Todos virão servi-lo", disse Satanás. "Todos estarão às suas ordens", diz o evangelho do Cristo desfigurado. E é nessa hora que Jesus Cristo responde: "Qual é maior, quem está à mesa, ou quem serve? porventura não é quem está à mesa? Eu, porém, estou entrevós como quem serve" (Lc 22.27).

Não há atalhos para a vida espiritual e sua vitória. Jesus não veio fazer concessões ao Inimigo-de-nossas-almas, e por isso, tem autoridade sobre Satanás quem decide permanecer com Jesus na cruz.


A PREGAÇÃO DO CRISTO CRUCIFICADO


Originalmente, a cruz não era coisa boa de se ver, não. Era algo extremamente desagradável ver um crucificado; era vergonhoso, e do qual não se falava (cf. Gl 3.13; Dt 21.33). Ninguém mencionava ter tido um parente crucificado. É como hoje que ninguém se alegraria em dizer que teve um parente que foi ladrão de cavalos. 

Cícero até disse: "(a cruz) é o mais cruel e chocante dos castigos". Era difícil acreditar que o Messias tão aguardado deveria morrer. E mais escandaloso, ainda, morrer de modo tão hediondo, terrível, na cruz (cf. Gl 5.11; 1Co 1.23). 
No entanto, o que Jesus tocava, transfigurava. Tocava no doente, ficava são! A palavra de Jesus transformava corpos deformados, desfigurados pela hanseníase em pessoas limpas, puras, dignas de entrar Templo. Porque o leproso, o hemorrágico, a mulher nos seus dias, nem pensar em entrar no Templo, mas Jesus transformava todos eles, e dava acesso livre. Por ocasião da Ceia Memorial, no pão, vemos o corpo de Cristo; no cálice, o sangue. Não que o seja, mas vemos a representação desse sangue purificador, pois na cruz vergonhosa, vemos a Sua glória (cf. Gl 6.14; 1Pe 4.11).

Se estamos falando em termos de glória, por que um Cristo crucificado? Alguém vai dizer, "Não sei, não, Pastor; por que um Cristo crucificado?" Outra pessoa vai dizer, "Foi um acontecimento isolado na história, que hoje não tem muito significado; ele poderia ter morrido na cama ou na cadeira-de-balanço". Não há quem ensine que Jesus morreu na Índia, ou no Tibete? Alguém mais dirá que foi o modo que Deus usou para derrotar o mal no mundo. Outro vai dizer que foi conseqüência do amor de Deus Jesus ter morrido na cruz".

Porém, pregar a Cristo não é pregar acerca de Jesus Cristo. Não é filosofar acerca de Jesus; nem teologizar acerca de Jesus, conquanto seja bom fazer teologia. Não é saber tudo sobre Sua vida, Seu nascimento, Seu ministério, sobre Sua paixão, porque mesmo assim, conhecendo toda a biografia e as idéias de Jesus, não se conhece a Jesus Cristo. Não é pregar doutrinas, credos ou dogmas, em vez de crer na Pessoa de Jesus Cristo. Não é seguir os cultos, rituais e celebrações da Igreja Cristã, porque nada, nem ninguém pode substituir o Cristo vivo que está no seu e no meu coração!

Não há pregação do evangelho sem a palavra da cruz. Na verdade, é proclamar a cruz que faz a pregação ser evangélica. A Bíblia diz que a palavra de Deus é a palavra da cruz (2Co 2.17). E é o que Paulo fazia quando diz, "Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado" (1Co 2.2). Esse é o Cristo que interessa a Paulo: o que foi ao Calvário, que do Calvário foi para o túmulo, e que do túmulo saiu vitorioso, e essa pregação do Cristo crucificado é escândalo, pedra de tropeço como que no meio do caminho que tem que ser dinamitada! É pedra de escândalo para judeus, e loucura para os outros. Mas eram as boas novas, o evangelho, o instrumento do poder de Deus para aqueles que crêem, Paulo o diz.


"ESCÃNDALO" E "LOUCURA" (1Co 1.23)


Um homem crucificado é um terrível constrangimento. Nunca vi um homem crucificado, a não ser num jornal da TV que apresentava nas Filipinas, onde há uma tradição de homens se deixarem crucificar, na Semana da Paixão, como penitência, mas depois de um tempinho, a pessoa é retirada, põe um curativo, e pronto. É como quem 
machuca a mão, enfaixa-a, e, depois de quinze dias, está curado.

Ninguém queria olhar duas vezes um homem crucificado, ou enforcado numa árvore. Vi a foto de um homem enforcado por vingança. Sabem como o crucificado estaria? Vemos belíssimas obras de arte nos crucifixos onde há um corpo muito bem talhado imaginando representar Jesus Cristo. Sabem como é a descrição de um homem morto na cruz, depois de ter passado, como Jesus passou, quase todo o dia exposto às moscas, ao tempo, ao vento, à poeira, o sangue sendo derramado? Ele estaria cheio de equimoses, de marcas, de hematomas; a língua estaria inchada, e o crucificado morreria por asfixia por não poder abrir os pulmões. O sangue, o suor, as moscas, eram coisas que os judeus não podiam admitir, razão porque seria um escândalo para eles dizer que o Messias esperado estava na cruz! 

Ora, se o Messias deveria ser um guerreiro, vitorioso, como os Macabeus, para expulsar os romanos da terra de Israel, como estaria ele na cruz? Escândalo! Tremendo escândalo! Completa impossibilidade! Queriam um Messias político, e aguardavam os sinais desse Messias. A propósito, a palavra traduzida como "pedem" é a palavra "exigem". Eles "exigem" sinais, "tem que mostrar a comprovação com firma reconhecida no cartório com duas testemunhas!" Era isso o que queriam, e assim se recusavam a crer em Jesus.

E para os gregos? Para eles, a coisa mais ridícula que se poderia imaginar, era dizer que o Cristo estava na cruz. Se um homem não poderia se salvar, como poderia salvar os outros? Era uma insensatez, uma loucura, diziam eles. Talvez aceitassem Sócrates glorificado, ou um Platão, um Aristóteles em glória. Esses, sim, seriam os melhores Messias possíveis: eram filósofos, pensadores, homens de qualidades, pensariam os gregos. Não vamos esquecer que eram eles reputados como a inteligência daquela época; eram orgulhosos não de suas construções como os egípcios, mas de suas realizações no campo da filosofia, de sua intelectualidade. E riram da pregação de um Salvador crucificado e ressurreto, porque a idéia que tinham da crucificação do Filho de Deus pudesse trazer salvação eterna, era coisa que um grego orgulhoso não podia aceitar. 

Paulo chegou à orgulhosa cidade de Atenas anunciando Cristo e a ressurreição. "Ressurreição" na língua grega é de onde vem o nome próprio Anastácia. Talvez, naquele dia em Atenas, estivessem pensando que Jesus viria com a esposa chamada Anastácia, porque, diz a Bíblia, quando ouviram Paulo falar em Jesus e na ressurreição (anástasis), riram. Loucura completa para os gregos! E aí Paulo pergunta, "Onde está o sábio? Onde o escriba? Onde o questionador deste século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo? Visto como na sabedoria de Deus o mundo pela sua sabedoria não conheceu a Deus, aprouve a Deus salvar pela loucura da pregação aos que crêem" (1Co 1.20,21).

Porque o evangelho não é uma mensagem a respeito do poder de Deus: é o poder de Deus; a cruz não é escândalo: é poder, é energia, e assim está na história e na fé cristãs ao longo dos tempos.

Pregar a Cristo crucificado é estar envolvido com Ele. Paulo não o diz? "Não pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor" (2Co 4.5). A igreja que se centraliza no Cristo crucificado só pode ser uma igreja missionária. Levar a cruz a sério significa levar o mundo também a sério, e, igualmente, o nosso próximo por quem Jesus morreu. E deste modo, o Cristo crucificado, objeto e centro da nossa pregação vai trazer uma nova orientação, e novas motivações, e novas disposições, e novas atitudes, e novos horizontes, e novos alvos para nossa vida. Pregando a Cristo crucificado, anunciamos a reconciliação de todas as coisas com Deus porque em Cristo tudo é resolvido pelo Pai (cf. Cl 1.20).

Proclamamos, então, a solução para o problema do pecado, a libertação (Rm 6.10,11,14; Gl 3.13a; Cl 2.14), a redenção ((Ef 1.7; Cl 1.12-14; 1Tm 2.5,6), a reconciliação (Rm 5.10,11; 2Co 5.18-20). E Paulo, o apóstolo, nos adverte com o texto de Gálatas 1.6-9, que precisa ser lido e relido muitas vezes, nesta época quando se anunciam evangelhos tantos que não correspondem ao do Cristo na cruz!

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