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quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

IX - O ESPIRITO SANTO

Parte IX

O ESPIRITO SANTO


Uma Leitura Ortodoxa Oriental A Partir De Paul Evdokímov



Os teólogos cristãos ortodoxos orientais foram os que mais se debruçaram sobre os estudos da teologia do Espírito Santo. Desde o século VII, em virtude do debate com a Igreja Romana ocidental e posterior afastamento dela, produziram uma teologia rica e sofisticada sobre o Espírito Santo, infelizmente pouco conhecida em nossos seminários e faculdades de Teologia.



Nesse texto, o professor Marcelo Da Silva Ferreira, mestrando em Teologia e História na Faculdade Teológica Batista de São Paulo, nos apresenta uma leitura necessária da doutrina do Espírito Santo a partir do livro do teólogo ortodoxo oriental Paul Evdokímov, "O Espírito Santo na Igreja Oriental", publicado em 1996, em São Paulo, pela Editora Ave Maria. Sem dúvida, é um estudo pertinente para a igreja evangélica. [Jorge Pinheiro].

As premissas orientais da teologia patrística


Os ensinamentos dos pais orientais sobre o conhecimento de Deus salientam que o projeto divino da criação do homem está ligado a promessa de Encarnação do Verbo divino, pois estas duas doutrinas complementam-se. O Oriente sustenta que a Encarnação seria realizada mesmo fora da queda, como a expressão do amor divino e termo último da comunhão entre Deus e o homem.

Essa idéia demonstra o aprendizado de Deus dentro de uma natureza a qual ele havia criado, mas não havia experimentado e na humanidade de Cristo, Deus pode compartilhar de experiências que ele conhecia, mas como divino não havia passado. A concepção da eucaristia na Igreja demonstra o lugar da união substancial entre Deus e o homem, esse aspecto nos leva a refletir dentro da ótica ortodoxa que a ordenança da ceia do Senhor além de lembrar do sacrifício de Cristo e de sua iminente volta, nos faz pensar que tudo isso foi possível graças a Encarnação do Verbo divino entre nós.

Esse ponto muitas vezes é esquecido por nós que nos concentramos no aspecto do sacrifício e de sua volta, o que é importante. No entanto, a idéia da Encarnação sendo evocada na ministração da Ceia é de grande valia.

O homem, como portador de uma certa medida de conhecimento de Deus é capaz de pressentir este mistério e responder ao desejo divino depositado por Ele no coração humano. A idéia de predestinação, diferente do calvinismo, repousa no fato de que todo homem pode responder positivamente ao chamado divino, porque ele carrega o sopro de vida divino e é justamente isso que o impele a uma resposta positiva.

Para o Oriente existe uma distinção entre a razão (cérebro) e a inteligência (coração). No entanto, o verdadeiro conhecimento é sempre caritativo e o amor é sempre intelectivo. Na verdade, o conhecimento sem amor é puro intelectualismo vazio, inócuo e sem vida, o amor sem intelecto é paixão cega, sem o alicerce da razão.

O pecado original separou a razão do coração, falseando a faculdade do discernimento e da apreciação. Essa condição de perversão reclama um ato de fé (metanóia). Para o Oriente, a fé é uma reviravolta de tudo no ser humano na sua experiência do transcendente.

Podemos dizer que aqui há uma certa semelhança da teologia ortodoxa com a teologia pentecostal no que diz respeito a uma experiência transcendente. No entanto, os ortodoxos, evocam uma experiência com o transcendente sem desligar-se de sua base: a teologia bíblica, o que difere nos grupos neopentecostais mais novos que geralmente têm nas suas experiências com o transcendente um desligamento do alicerce teológico.

De qualquer forma, seja pentecostal, ortodoxo ou histórico, a experiência com o transcendente é necessária justamente para vivenciar aquilo que se lê, caso contrário, estaremos vivendo uma fé puramente intelectual e nossos cultos repletos de tédio e marasmo. O culto verdadeiro compreende uma experiência com o sobrenatural de Deus e com a revelação sobrenatural da teologia bíblica que é o nosso alicerce. Teologizar é a tradução dos termos teológicos a comunhão com Deus, relatando o seu conteúdo.

O kerigma, a didaskália e a catequese fazem parte elemento doutrinal da teologia, no entanto, a Igreja cultiva a seiva do conhecimento escutando os santos, os Pais, da experiência com o Espírito Santo e do colóquio com o Verbo, oferecendo a todos na liturgia.

A teologia mística é mais do que conhecimento cerebral é o conhecimento pela revelação de Deus e pela participação receptiva do lado do homem. Todo conhecimento de Deus deve partir dele e de sua proximidade.

Os Concílios Ecumênicos sempre tiveram como objetivo esclarecer a via salvadora de forma prática, respondendo às questões de vida ou de morte. A teologia segundo os Pais da Igreja erige-se em ministério carismático, pois o conhecimento de Deus é obtido pelo que ele mesmo se dá a conhecer. Longe de uma experiência puramente enciclopédica, os Pais da Igreja enfatizam a necessidade de uma receptividade aberta às revelações fulgurantes do Transcendente.

As dimensões positiva e negativa da teologia dos Pais


A dimensão apofática (negação), constituiu o lado negativo da teologia no sentido de negar toda a tentativa de definição de Deus, justamente pelo fato de que todas as nossas definições não exprimem a totalidade daquilo que é Deus em si mesmo. Ela realiza um ultrapassar, sem nunca se desligar de sua base, a teologia da Revelação Bíblica. Esse aspecto negativo constitui o único remédio para a insuficiência obrigando a transcender-se, por isso, o lado negativo não é um simples corretivo, mas uma teologia autônoma. O método apofático ensina a atitude correta de todo teólogo: o homem não especula, mas transforma-se, podendo contemplar pelos olhos da Pomba a Mônada una e trina escondida na epifania.

A dimensão catafática (positiva), constitui por sua vez, o lado positivo da teologia e tem um caráter simbólico, segundo os Pais Orientais, sendo aplicada apenas aos atributos revelados, às manifestações de Deus no mundo. Ela se constitui num modo inteligível do conhecimento de Deus, que está acima de qualquer sistema de pensamento. Essa teologia tem seu valor e suas dimensões próprias e aos seus limites.

Deus é misterioso, incognoscível pela sua própria natureza. Quando o homem procura a Deus, é ele que é encontrado por Deus.

As particularidades da Teologia dos Pais Orientais


A teologia dos Pais é uma teologia trinitária, elaboradora das definições dogmáticas e da unidade e diversidade das Pessoas em Deus. O termo homoousios permitiu exprimir o mistério de Deus.

O Oriente acredita que as relações entre as Pessoas da Trindade não são de oposição, nem de separação, mas de diversidade, de reciprocidade, de revelação recíproca e de comunhão no Pai. A forma ocidental de uma certa maneira contribuiu para realçar as relações de oposição e de separação.

Os atributos que se referem à natureza comum são inerentes aos Três sem diferenciações. Sendo a Pessoa Única quando evocada na sua relação com à Fonte que é o Pai. A inascibilidade do Pai, a geração do Filho e a processão do Espírito são as relações que melhor permitem distinguí-las.

As relações de origem não são o único fundamento das Hipóstases, que as constituiria e as esgotaria do seu conteúdo.

A teologia do Oriente reserva um caráter sempre ternário ou triplo das relações, suprimindo qualquer possibilidade de as reduzir à dualidade, à formação de díades no seio da Trindade.

Na Trindade encontram-se reunidos e circunscritos o uno e o múltiplo, no entanto, os Pais não procuram justificar pela razão o número Três. A própria ciência matemática, não justifica o um absoluto, sendo assim a unidade composta de Deus, não pode ser explicada através de pensamentos ditos "lógicos", se a própria ciência não reconhece o um absoluto.

A filosofia latina encara em primeiro lugar a natureza em si mesma e prossegue até o subordinado (a Pessoa); a filosofia grega encara em primeiro lugar o subordinado e aí penetra depois para encontrar a natureza. Este ponto explica justamente a facilidade de entendimento e compreensão do método ortodoxo para o ocidental, partindo das três pessoas como Jesus fez na "Grande Comissão", chega-se unidade de Deus. Nós atrelados ao pensamento ocidental partimos de Deus para explicar a diversidade de Pessoas nele. O problema aqui não é o método ser certo ou errado, mas a facilidade que o pensamento ortodoxo fornece na compreensão da trindade é inegável.

O Oriente vê o perigo quando não é a Monarquia do Pai, mas a natureza una que se erige em princípio da unidade na Trindade. O princípio de unidade não é a natureza, mas o Pai que estabelece relações de origem em relação a Ele mesmo, como a única Fonte de qualquer relação.

Para os Pais Orientais confessar a unidade trinitária é reconhecer o Pai como a única fonte das Hipóstases que simultaneamente recebem dele a mesma e única natureza.

A Hipóstase é a maneira pessoal de se apropriar a mesma natureza, sendo que cada uma delas na sua realidade única ultrapassa as simples relações de origem. Todos os Pais afirmam a única Fonte Hipostática do Pai e ao mesmo tempo uma relação íntima entre o Filho e o Espírito inseparavelmente concebidos e unidos. A processão do Filho e do Espírito Santo do único Pai foi sempre acentuada fortemente pelos Pais Orientais.

A beatitude designa, para o Oriente, o infinito da deificação, participação da vida divina e visão da glória trinitária através da humanidade glorificada do Cristo.

O Pai é a fonte da Verdade, o Filho é o princípio de revelação da Verdade do Pai, o Espírito Santo é o princípio da sua manifestação dinâmica e vivificante, ele é a Vida da Verdade, o seu Espírito.

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