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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O JESUS DESMITOLOGIZADO DE BULTMANN


V. O JESUS DESMITOLOGIZADO DE BULTMANN


O que Deus fez em Jesus Cristo não constitui um feito histórico suscetível de ser provado historicamente. O historiador objetivante, como tal, não pode constatar que uma pessoa histórica (Jesus de Nazaré) seja o Logos Eterno, a Palavra. É precisamente a descrição mitológica de Jesus Cristo no N.T. o que nos mostra claramente que a pessoa e a obra de Jesus Cristo devem ser compreendidas segundo um ponto de vista além das categorias com que o historiador objetivo compreende a história universal, se é que a pessoa e a obra de Jesus Cristo deve ser entendida por nós como obra divina da redenção.

A revelação de Deus em Cristo como fato concreto na história não é de relevância para Bultmann. O Kerygma e a história concreta não têm muito a ver um com o outro e, assim, a fé não precisa da história. Há um desinteresse pelo histórico. Para ele tudo se concentra no Cristo kerygmático como evento escatológico presente.

Bultmann pergunta se o acontecimento de Cristo não é um resto mitológico a ser eliminado? A compreensão cristã do ser que se adquire através da fé em Cristo não poderia ser obtida sem o N.T.? Recorrer à cruz do Jesus histórico seria válida apenas para os primeiros discípulos, para nós trata-se de um evento do passado e como tal não é mais um evento de nossa própria vida.

Cristo, em Bultmann, não tem história. Este somente é real na proclamação, pois do Jesus histórico pouco podemos saber. Com isto, Jesus é valorizado pelo teólogo alemão como talvez uma parábola!

Crer na cruz não significa que vemos um evento mitológico que se realizou num mundo externo. Significa que aceitamos a cruz de Cristo, como nossa própria cruz, permitindo-nos crucificar com ele. A própria ressurreição é objeto de fé. A ressurreição não deu origem à fé, durante aquele período de quarenta dias, mas a fé é que originou a ressurreição.

Jesus Cristo, como o filho de Deus, uma figura mítica na qualidade de ser divino preexistente, é simultaneamente um determinado ser humano histórico, Jesus de Nazaré. Bultmann, pessoalmente, acha que Jesus não afirmou ser o Messias. E se fosse, o pensamento da morte, segundo Bultmann, não é tão acabrunhador para quem sabe que após três dias terá de ressurgir!

A historicidade da vida de Jesus, conforme é descrita no quarto evangelho, é, na opinião de Bultmann, de bem pouco valor. A Cristologia de Paulo e de João foram, em particular, orientadas por esse mito gnóstico.

A palavra me diz que a graça de Deus é uma graça prévia, que já atuou em meu favor, mas não de tal maneira que eu possa voltar-me para vê-la como um acontecimento histórico do passado. Pois, a Palavra de Deus só é Palavra de Deus quando acontece aqui e agora. Assim, o ser humano vive no pecado quando deixa-se seduzir pelo invisível e pelo disponível. Para Bultmann, o pecado, em sua essência, não é uma questão moral, é rebelião e reivindicação diante de Deus, permanecendo escravo da vida inautêntica.

Não há nenhum meio de nos livrarmos do passado. Com efeito, nós não podemos, enquanto seres temporais, ser livres do passado de tal maneira que ele pudesse ser, pura e simplesmente, cancelado e ignorado; de tal maneira que pudéssemos receber qualquer coisa como uma nova natureza – se pudéssemos recebê-la, certamente não poderíamos nos manter nela. Nós sempre


chagamos no nosso momento presente a partir e com o nosso passado. Pois, nós não somos plantas, animais ou máquinas, e nosso presente é sempre qualificado pelo nosso passado. A questão crítica é saber se o nosso passado nos é presente como manchado pelo pecado ou como perdoado. Assim, o Wunder de Deus é o perdão.


Todo Wunder não é jamais visível senão em virtude do único Wunder do perdão. Ora, o perdão não é um ato do passado: eu não o tenho como perdão senão enquanto o tenho como uma posse sempre renovada.

No N.T., os Wunder’s são registrados como tendo a característica de Mirakel, principalmente os Wunder’s de Jesus. Da mesma forma, se todos eles foram historicamente estabelecidos, é ainda verdade que como obras de um homem no passado, não concernem diretamente a nós em coisa alguma. Sob esta relação eles não são a obra de Cristo, se nós entendermos por obra de Cristo a obra da salvação. Cristo também distribuiu preceitos, mas isto não é seu principal ofício, mas sim um ofício acidental.

Por essa razão, no âmbito dessa discussão, os “Wunder’s de Jesus” estão inteiramente abertos à investigação crítica, pois eles são eventos do passado. Nada impede de explicá-los como obra do diabo (Mc. 3:22), ou como atos pelos quais Jesus se justifique (Mc. 8:11 ss.) e em virtude dos quais querem torná-lo rei (Jo. 6:14 ss.), ou como meios utilizados para a garantia de sua própria vida (Jo. 6:26).

Não podemos entender a doutrina da satisfação propiciatória através da morte de Cristo, porque, como pode minha culpa ser expiada pela morte de um inocente (se é que se pode falar de alguém assim)? Que mitologia primitiva que um ser divino feito ser humano expie através de seu sangue os pecados dos seres humanos! Ao crermos no evento da morte e ressurreição de Cristo nos é dada a possibilidade de compreensão de nós mesmos. (e isto seria a salvação?)

A escatologia mítica está eliminada, fundamentalmente pelo simples fato de que a parousia de Cristo não ocorreu muito em breve, como o N.T. o aguardava. Assim, aplicar a idéia de revelação à personalidade de Jesus, seria tão absurdo quanto aplicar a idéia de criação ou de Wunder ao mundo visto como natureza.

Na verdade, que é este Jesus apresentado por Bultmann? Talvez um “gurú” apaixonado e confuso da contracultura, que foi recriado à imagem dos homens que o reinterpretaram.
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