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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

MILAGRE

IV. MILAGRE

O homem moderno só reconhece como reais os fenômenos ou os acontecimentos que resultam compreensíveis no marco da ordem racional do universo. Não admite a existência de milagres, porque não se encaixam nesta ordem racional. O homem moderno, assim, usa a ciência como resposta para tudo.
Porque, neste mundo, absolutamente nada de Deus e de Sua ação é ou pode ser visível aos homens que andam buscando sua segurança neste mundo.
Quem pensa que se pode falar de milagres como se fossem acontecimentos demonstráveis, suscetíveis de prova, peca contra a idéia do Deus que atua de maneira oculta. O método crítico pressupõe que a história seja uma unidade integrada de causa e efeito que não pode ser rompida pela ação de Deus. Em função disso, não se pode constatar um milagre na história.

Somente posso falar do que Deus faz em mim aqui e agora, do que Deus me diz, a mim mesmo, aqui e agora. Agora, temos de perguntar-nos de novo se é possível falar de Deus como ato sem incorrer em uma linguagem mitológica. Falar de Deus como ato não significa falar dEle por meio de símbolos ou imagens. Porque quando falamos assim de Deus como ato, concebemos a ação de Deus como análoga às ações que têm lugar entre os homens. Pode-se objetar então que, neste caso, o acontecimento da revelação de Deus é tão somente a ocasião que nos proporciona uma compreensão de nós mesmos, e que esta ocasião não a reconhecemos como uma ação que intervém em nossas vidas reais e as transforma. Em uma palavra, a revelação não nos é reconhecida como um milagre. Não se pode utilizar luz elétrica e aparelho de rádio, em casos de doença empregar modernos meios médicos e clínicos, e simultaneamente acreditar no mundo dos espíritos e dos milagres do N.T.

Para Bultmann, ao estudar milagre, deve-se diferenciá-lo em dois termos alemães, os quais são: Wunder, que segundo o teólogo alemão é a autêntica ação de Deus, e Mirakel, que para ele diz respeito à ação de Deus mitologizada. Para Bultmann, Mirakel deturpa o reconhecimento da ação de Deus, pois é uma violação da natureza. Neste sentido, ou seja, como violações das leis da natureza, é uma maneira de julgar, pertencente a uma visão antiga de mundo e que não é mais amplamente crida na era moderna. Em contraste, Wunder é um evento que parece, objetiva e universalmente, ser consistente com o conhecimento das leis da natureza e, ao mesmo tempo, perceptível pela fé como sendo um ato de Deus.

Bultmann diz que pode-se interpretar, em virtude de uma falsa concepção acerca da onipotência, cada evento do mundo como sendo uma ação de Deus (Mirakel). Desta forma, o conceito de Mirakel, para ele, desenvolve-se sendo concebido como algo fora do nosso mundo. Já o conceito de Wunder, por outro lado, reflete nossa experiência histórica, como aquela na qual nós próprios nos encontramos surpreendidos por atos de amor e amizade.

Quando a ação divina é concebida como sendo produzida em um nível superior de causalidade, Deus é concebido simplesmente como um homem que conhece e que pode fazer mais do que todos os outros homens. Se estes puderem apenas imitarem o método (como, por exemplo, fazem os mágicos), eles serão tidos como possuidores da mesma capacidade. (Deus sendo colocado no mesmo grau de um ilusionista)
A idéia de Mirakel tornou-se, pois, insustentável e deve ser abandonada. Mas, seu abandono é também exigido porque, em si mesma, ela não é uma noção da fé, mas uma noção puramente formal. Como se sabe, os Mirakel’s podem ser úteis ou inúteis, desejados ou temidos. Da mesma que há uma magia negra e uma branca, os Wunder’s podem ser realizados por Satanás ou por Deus, por bruxos ou profetas. A casualidade “superior” pode ser divina ou demoníaca e o Mirakel não permite, por si mesmo, descobrir se ele procede de Deus ou do demônio.

Nenhum argumento contrário pode ser baseado sobre o fato de que na Bíblia os eventos são narrados como devendo ser denominados de Mirakel. Este fato torna meramente necessário o uso do método crítico que mostra que a idéia de Mirakel não foi vista de maneira conseqüente pelos escritores bíblicos – de acordo com as pressuposições de seu pensamento – e que o seu abandono não implica o abandono da autoridade da Escritura.

A fé está inquestionavelmente relacionada com o Wunder, desde que “Wunder” signifique a ação de Deus distinta da sequência dos eventos no mundo natural. Assim, se o caráter específico de Wunder é o de designar a ação de Deus, distinta dos eventos do mundo natural, e se estes não são concebidos por nós senão como submetidos às leis, então a noção de Wunder contradiz absolutamente aquela de natureza e eu elimino a idéia de natureza quando falo de Wunder.

Na verdade, fé em Deus e fé no Wunder são, essencialmente , a mesma coisa. (Então, Deus é só uma força ativa?)

O Wunder não pode, em nenhum sentido, ser um evento do mundo constatável em qualquer lugar e de qualquer maneira que o seja, pois neste caso eu o separaria de Deus e o compreenderia como mundo. Deus, com efeito, não é constatável.
A fé é fé justamente em oposição à visão, em contradição expressa com tudo o que eu vejo; a fé no Wunder deve, também, estar em contradição expressa com tudo o que eu vejo no mundo. (E o caso de Jesus e de Tomé?)

Porque pedir um sinal é característico dos judeus? (I Co. 1:22) Porque essa atitude revela a própria essência natural da impiedade deles, a saber, o esforço na busca de “sua própria justificação”. Eles avaliavam a si mesmos por aquilo que eles foram, e estimavam os outros pelo que estes realizavam. E como eles desejavam se justificar a si mesmos diante de Deus através de suas


obras, assim, Deus deveria se justificar a si mesmo diante deles através de Suas obras. O Mirakel é uma tradução desesperada do saber ocultar nossa queda no passado, é uma maneira primitiva, obscura de dizer que se compreende a ação de Deus em Sua oposição a todos os eventos e a todos os atos mundanos. Vê-se que cada ato escatológico, cada ato de fé e de amor, cada uma das ocupações familiares, profissionais, cívicas, etc., do cristão – contanto que sejam em si realizadas subordinando a “idéia de trabalho” à “idéia de fé” – é um Wunder.

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