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terça-feira, 12 de janeiro de 2010

ABRAÃO & A ALIANÇA

Parte IV
ABRAÃO & A ALIANÇA
A tradição bíblica apresenta os pais da humanidade e os patriarcas como monoteístas. Adão, Sete, Noé, Abraão e seus descendentes conheciam o Deus Eterno e guardavam seus preceitos. O politeísmo surge como degeneração e distanciamento desse Deus criador do universo.




Qualquer análise do surgimento da religião de Israel deve partir do homem Abraão e de seu contexto histórico e social. Podemos localizar as origens do surgimento de Israel na primeira metade do segundo milênio a.C. (2.000-1550). Foi nesse período que Abraão migrou de Ur com destino à Palestina. O mundo de Abraão é um mundo objetivo, não mitológico, e a aliança com o Deus Eterno, conforme se encontra em Gênesis 15, é a chave para entendermos todo o Pentateuco, os cinco livros da Lei.

A consolidação dessa aliança acontecerá com Moisés, descrita em Êxodo 24 e reiterada em Deuteronômio 5, numa das montanhas do deserto do istmo, entre o Egito e Madiã-Seir. Essa é a idéia-força de toda a religião de Israel: um acordo que implica em salvação.


UM ACORDO SOLENE

Berit, aliança, tem o sentido de obrigação, mas também de segurança. É um acordo entre duas pessoas, celebrado solenemente, com o derramamento de sangue. A parte mais forte fornece a segurança, ou a salvação, e a mais fraca se obrigava a determinados compromissos. Dessa maneira, a aliança impôs um relacionamento especial entre o Deus Eterno e o povo. E os mandamentos e leis, dados mais tarde, no deserto a Moisés, transportam de uma conotação legal e externa para uma perspectiva de acordo maior, de adoração e obediência. O centro da aliança está no primeiro mandamento do decálogo (as dez palavras, em hebraico) que proíbe a adoração de outros deuses, da milícia do céu e dos ídolos.


UMA ALIANÇA ÉTICA

Mas a aliança é também um pacto moral. Só que o fundamental desse pacto, que perpassa toda a Torah ou Pentateuco não é sua mera formalização, já que outros povos também possuíam noções desenvolvidas de lei e moralidade. O assassinato, o roubo, o adultério e o falso testemunho eram condenados não apenas pela lei moral universal, mas também duramente punidos pelos códigos de Ur-Nammu, de Lipit-Ishtar e de Hamurabi [León Epsztein, A Justiça Social no Antigo Oriente Médio e o Povo da Bíblia, SP, Paulinas, 1990, "As Leis Mesopotâmicas", pp. 11 a 26], para citar os mais representativos.

Agora, no entanto, pela primeira vez a moralidade é apresentada pelo próprio Deus Eterno como fruto de um relacionamento entre Ele e o povo, com normas para o estabelecimento de um reino de novo tipo. É uma aliança com toda a nação. A consolidação que acontece centenas de anos mais tarde, no monte Sinai é fruto da aliança abraâmica e vai além das sabedorias babilônica e egípcia.

A moralidade apresentada no Gênesis, por exemplo, que é individual, ganha aqui uma roupagem nova, passa a ser coletiva e nacional. "Yahweh não elegeu Israel para fundar um novo culto mágico em benefício dele; elegeu-o para ser seu povo, para realizar nele o seu arbítrio. Portanto, por sua natureza, também a aliança religiosa foi uma aliança moral/legal, envolvendo não apenas o culto, mas também a estrutura e os regulamentos da sociedade. Assim, colocou-se o alicerce da religião da tora, incluindo tanto o culto como a moralidade e concebendo a ambos como expressões da vontade divina". [Yehezkel Kaufmann, A Religião de Israel, SP, Perspectiva, 1989, p.232]. Na verdade, a aliança que o Deus Eterno faz com Abraão em Gênesis 15, historicamente, tem seu cumprimento em outras condições e em outra época, no Sinai.

Dessa maneira, a aliança feita com Abraão não somente prepara o roteiro do Pentateuco, mas faz parte intrínseca dele. É bereshit, não somente como saga da origem, mas como alicerce de todos os cinco livros da Lei. Bereshit é uma expressão hebraica que normalmente traduzimos por "no princípio". É formada pela preposição B mais var, que significa cabeça, início, principal, o mais elevado. Na Bíblia hebraica o nome do livro de Gênesis é Bereshit, porque o primeiro versículo das Escrituras começa assim: "No princípio ..."


UM CONCEITO UNIFICADOR

A teologia de Gênesis tem por base o conceito da aliança, como descrição de um processo vivo, que tem origem em determinado momento histórico, numa relação entre o Deus Eterno e um homem historicamente definido. "A centralidade da aliança para a religião do AT já possuía defensores muito antes de Eichrodt [August Kayser, Die Theologie des AT in ihrer Geschichtlichen Entwicklung Dargestellt (Strassburg, 1886), p. 74]: "a concepção dominante dos profetas, a âncora e o alicerce da religião do AT em geral, é a noção de teocracia ou, utilizando a expressão do próprio AT, a noção de aliança" [G. F. Oehler, Theologie des AT (Tubingen, 1873), i, p. 69]: "O fundamento da religião do AT é a aliança por meio da qual Deus recebeu a tribo escolhida, a fim de realizar seu plano de salvação" [Gerhard Hasel, op. cit., p. 57].

Ao entendermos o conceito de aliança como centro unificador do livro de Gênesis e, por extensão, do Pentateuco, a leitura do texto bíblico passa a ter uma dinâmica real, que cresce conforme a aliança se transforma em osso e carne, primeiramente na vida dos patriarcas e, posteriormente, na formação da própria nação de Israel.
O livro de Gênesis apresenta a humanidade recém formada como monoteísta [Kaufmann, op. cit., p.220]. Até o capítulo 11 não vemos nenhum traço de idolatria. Só após Babel surge a idolatria, que seria contemporânea ao aparecimento das nações da antigüidade.

A partir de Gênesis 12 temos nações idólatras e politeístas e pessoas que adoravam ao Deus Eterno. Entre estes estão Abraão e Melquisedeque. A compreensão desse fato é importante para tirarmos das costas de Abraão a responsabilidade de ter criado a primeira religião monoteísta. Ele não criou a religião do único e verdadeiro Deus, mas viveu uma tradição, no sentido de transmissão de conhecimento e cultura, que vinha em parte de seus antepassados.


UMA REGIÃO PRÓSPERA

Vejamos um pouco mais sobre a vida desse homem, conforme descrita em Gênesis 12:1 a 25:18. Ele vivia na terra formada entre os rios Tigre e Eufrates, às margens de um afluente do Eufrates, chamado Balique.

A cidade de Ur, onde vivera antes de ir para Harã, é situada pelos arqueólogos na região da moderna Tell el-Muqayyar, a catorze quilômetros de Nasiryeh, no sul do Iraque. Segundo estudos de Sir Leonard Woolley, do Museu Britânico, que reconstruiu a história de Ur desde o quarto milênio até o ano 300 a.C., o deus-lua Nanar, que era adorado em Ur, também era a principal divindade em Harã.

Décadas antes de Abraão, Ur era a mais importante cidade do mundo. Centro de produção manufatureira, agropastoril e exportador, estava situada numa região de enorme fertilidade. Daí partiam caravanas e navios em direção ao golfo Pérsico. Já na época de Abraão a cidade foi eclipsada pelo crescimento de Babilônia, mas manteve sua importância durante décadas.. A Babilônia destaca-se no cenário mundial a partir do governo de Hamurabi (1728-1686 a.C.). Ele venceu militarmente a Assíria, subjugou antigos aliados e também o reino de Mari, importante centro comercial da época. Durante seu governo, a Babilônia teve um impressionante florescimento cultural.

Anos mais tarde, as águas do golfo Pérsico recuaram e o rio Eufrates mudou seu curso, correndo 16 quilômetros para leste. Ur então foi abandonada, sendo sepultada pelas tempestades de areia do deserto.

As pesquisas arqueológicas desenvolvidas pela Universidade da Pensilvânia e o Museu Britânico, numa expedição dirigida por Sir Woolley, entre 1922-1934, descobriram o Zigurate ou torre-templo, cujo modelo fora a torre de Babel. Era o edifício mais importante da época de Abraão. A torre era quadrangular, construída com sólidos tijolos, possuía terraços arborizados e no topo ficava um santuário ao deus Lua.

A cidade tinha ainda dois templos. Um ao deus Lua, Nanar, e outro à deusa Lua, Ningal. Esses dois templos eram um complexo de santuários, com pequenas salas, alojamentos de sacerdotes, sacerdotisas e atendentes. Eram essas divindades que o pai de Abraão cultuava.

Num bairro residencial de Ur foram descobertas casas, lojas, escolas e capelas, com milhares de placas, documentos de negócios, contratos, recibos, hinos, liturgias, etc. As casas eram de alvenaria, com dois pavimentos, no alinhamento das ruas, e com pátio interno.


UMA ÉPOCA CONTURBADA

Depois de sair de Ur, Abraão viveu com sua família em Harã, uma cidade também muito desenvolvida. Seus parentes, Terá, Naor, Pelegue e Serugue, tiveram seus nomes registrados nos documentos diplomáticos de Mari, na região e também em documentação dos assírios, como nomes de cidades naquelas regiões [Samuel Schultz, A História de Israel no Antigo Testamento, SP, EVN, 1992, p. 31].


QUADRO CRONOLÓGICO (2050-1500 a.C.)


EGITO PALESTINA MESOPOTÂMIA
2050 Império médio Época do bronze (M) Renascimento sumério, dinastia de Ur. Amorreus
2000 Egito reunificado Amorreus
1950 XII dinastia Egito controla a costa
1900 Sírio-palestina Assíria Mari Isin Larsa
1850 Abraão
1800 Babilônia
1750 Invasão dos hicsos Hamurabi
1700 Hebreus Hititas
1650 XV dinastia
1600
1550 Novo Império
1500 XVIII dinastia e Época do bronze (R)
Expulsão dos hicsos


PEQUENA CRONOLOGIA DE ABRAÃO(Gn 11:26-32; 12:4; At 7:2-4)


Nascimento Quando seu pai tinha 130 anos.
Canaã Entrou na Palestina aos 75 anos.
Ló Libertou seu sobrinho quando tinha 80 anos.
Ismael Tinha 86 anos quando seu primeiro filho nasceu.
Sodoma e Gomorra As cidades foram destruídas quando tinha 99 anos.
Isaque Nasceu quando tinha 100 anos.
Sara Tinha 137 anos quando sua mulher morreu.
Esaú e Jacó Quando seus netos nasceram tinha 160 anos.
Morte Aos 175 anos de idade.


ROTEIRO DE ESTUDO

VISÃO PANORÂMICA

1o bloco

1. Introdução Geral: a herança de Abraão para os cristãos de hoje.

2. Chamado: Gn 12.1-9; At 7.2-4; Hb 11.8. No Egito: Gn 12.10-20; Rt 1.1; Mt 12.14,15.

3. A separação de Ló: Gn 13.1-18; Ef 3.18 e 4:1.

2o bloco

1. A derrota de Sodoma e a captura de Ló: Gn 14.1-12.
2. Abraão resgata Ló: Gn 14.13-16.
3. Abraão, Melquisedeque e o rei de Sodoma: Gn 14.17-24; Hb 7.2; Sl 110.4.

3o bloco

1. Fé e aliança: Gn15.1-21; Rm 4; Gl 3.
a. A fé que movia Abraão.
b. A promessa vira aliança.

4o bloco

1. Hagar e Ismael: Gn 16.1-16; Gl 4.22 e 29; Pv 24.3; Ex 3.2, 4; Jz 6.12-14.
2. Sara, um novo nome: Gn 17.15-22; Rm 9.24.
3. Abraão intercede por Sodoma: Gn 18.16-33; Is 41.8; 1Tm 3.4-5; Ex 32.32; Is 53.12.
Conclusão: A herança de Abraão para os cristãos de hoje.

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