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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

VIVENDO E APRENDENDO COM C.S.LEWIS

Parte XIII

VIVENDO E APRENDENDO COM C.S.LEWIS: 

Princípios Norteadores da Educação Cristã no Século XXI


VIDA E OBRA DE C. S. LEWIS

Nascido em Belfast, Irlanda, C. S. Lewis (1897-1963) é considerado um dos maiores pensadores, escritores e apologetas cristãos do século XX, com grande capacidade de projeção para o futuro. Sua vastíssima obra, mais conhecida no meio cristão pelos seus livros teológicos, também ficou famosa por outro gênero, o do romance ou ficção. O sucesso imediato de Cartas de um Diabo a seu Aprendiz foi reconhecido pela celebrada revista Time. Lewis também ficou famoso por sua ficção científica (da sua trilogia espacial, Longe do Planeta Silencioso e Perelandra já estão traduzidos para o português) e pelas histórias tão preciosas para o público infantil (e também para os adultos) narradas nas Crônicas de Nárnia.1

Mas a melhor idéia que se pode ter da história desse catedrático e crítico literário de Oxford (Magdalene College, 1925-1954) e Cambridge (como professor de literatura inglesa medieval e renascentista) pode ser obtida da leitura de sua autobiografia Surprised by Joy,2 recentemente traduzida e lançada, com muito sucesso, no mercado nacional. Esse livro explica a total coerência do autor, em meio à grande variedade de gêneros literários utilizados, sendo os princípios fundamentais da doutrina cristã também sintetizados nas suas quatro principais obras apologéticas: Cristianismo Puro e Simples, O Problema do Sofrimento, Milagres e O Grande Abismo.3

As obras de Lewis são constantemente reeditadas no exterior,4 inspirando muitos estudiosos a elaborar compilações, revisões, estudos e palestras a respeito desse autor e de seu pensamento. Atualmente existe até uma lista de discussão na Internet em torno de suas idéias, além de sociedades fundadas a partir de uma visão cristã do mundo inspirada por ele. Há ainda um filme cinematográfico de Richard Attenborough, Shadowlands (“Terra das Sombras”), em sua homenagem, que pode ser encontrado em videotecas e é freqüentemente visto na programação da TV por assinatura.

II. CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA
Para se ter uma noção do potencial de projeção das idéias desse autor para a educação do século XXI (e particularmente para a educação cristã), é preciso mencionar que, nos Estados Unidos, por exemplo, as Crônicas de Nárnia foram recentemente recomendadas no currículo das escolas e universidades de alguns estados, como leitura obrigatória em diversos cursos oferecidos por reconhecidas instituições de ensino, despertando o interesse de estudantes e intelectuais de todos os níveis e áreas. A ampla popularidade conquistada pelo autor, através de educadores e da grande diversidade de sua obra, é um indício da importância da sua mensagem para o campo educacional.

A sua autobiografia, que teve sucesso quase que imediato no mercado brasileiro, confessional ou não, revela a ênfase dada pelo autor à educação. Embora a sua experiência escolar não tivesse sido das melhores (ou quem sabe precisamente por isso), Lewis levou até o fim o seu projeto pedagógico cristão de resgate do sentido que pode haver nas escolas, e que pode ser alcançado através da literatura e, particularmente, dos contos-de-fada, como explica um dos especialistas nas idéias do autor:

...o sentido está intimamente relacionado com o papel da imaginação e com o fato de que todo o universo é uma criação dependente de Deus. Costumamos ver a razão como o veículo da verdade, e a imaginação, do sentido. A razão e a imaginação têm, ambos, a sua própria autonomia ... A ficção é, para Lewis, a construção do sentido. Ela reflete a criatividade maior de Deus, quando deu origem ao seu universo e o relacionou a nós mesmos. O sentido é o cerne das coisas e dos fatos.5

Nos capítulos a seguir procuraremos explicitar melhor os princípios acima sintetizados, aplicando-os à Educação Cristã.

III. PRINCÍPIOS BÁSICOS DA EDUCAÇÃO CRISTÃ DE C. S. LEWIS

A. Apre(e)nder pelo sofrimento
Se considerarmos a vastidão das obras de Lewis, perguntar-nos-emos o que o teria impelido a escrever tantos livros (sem falar das milhares de cartas que escrevia a seus leitores) e de forma tão diversificada! E como poderíamos tornar acessível a sua contribuição ao educador brasileiro, no limiar de um novo século? Para responder em parte a essa questão, devemos considerar a história de vida do autor, marcada pela dor desde menino, com a morte de sua mãe, o que deu inicio à sua insistente e contínua busca de “alegria” (curiosamente também o nome de sua futura esposa, Joy). Assim, por exemplo, em O Problema do Sofrimento, Lewis aborda diretamente a questão clássica que o mundo secular levanta contra o cristianismo: “Se Deus existe, como pode haver tanta injustiça, fome e miséria no mundo?”

Não há dúvida de que a vida muitas vezes é cruel e, se quisermos ser realistas, teremos que contar com obstáculos constantes, muitas vezes dolorosos, que nos trazem de volta à vida concreta, destruindo nossas fantasias a respeito de um mundo idealizado e abstrato, como se vê nesse exemplo, citado por Lewis:

Móveis feitos de sonho são o único tipo em que nunca tropeçamos ou esbarramos com o joelho. Nós todos conhecemos um casamento feliz. Mas como a esposa é diferente daquela donzela imaginária dos sonhos da nossa adolescência! Tão pouco adaptada a todos os nossos desejos extravagantes e por esta mesma razão (entre outras) tão incomparavelmente melhor.6

O próprio Deus, que é um ser real e concreto, escolheu manifestar-se ao homem em forma material e concreta, apesar de ser igualmente capaz de usar um sonho para nos comunicar algo. Assim, para os cristãos, uma das primeiras lições a serem aprendidas é que o ser humano não pode viver de sonhos e devemos aprender a lidar com as nossas limitações, que muitas vezes implicam em dor e sofrimento:

É lógico que fomos instruídos em como lidar com o sofrimento — oferecendo-o a Deus em Cristo como mui singela, modesta mesmo, participação no sofrimento de Cristo; por outro lado, como é duro praticá-lo, não é mesmo?7

Devido a essa dureza da vida é que autores como Kreeft procuram ajudar-nos a enxergar o outro lado do sofrimento, já quase esquecido pela maioria dos seres humanos. Isso pode vir a tornar-se uma excelente oportunidade para aprender, como ele expressa no seguinte trecho de uma de suas primorosas obras, na qual busca uma interação com o leitor:

Leitor: Então, prazer sem sofrimento é possível para Deus. Por que não nos é possível?

Autor: Boa pergunta.

Leitor: Você tem uma boa resposta?

Autor: Acho que sim. Mesmo no Jardim do Éden, antes que houvesse pecado, morte e sofrimento, estávamos sujeitos ao tempo, tínhamos de crescer, de aprender. Mas aquilo era um prazer. Depois que pecamos, aprender tornou-se doloroso, porque aprender significa submeter a mente à realidade.8

A missão prioritária do educador, portanto, é a de “resgate” (por mais desgastado que o termo possa estar) da realidade, “doa a quem doer,” da forma mais “didática” possível, abrindo portas que permitam enfocá-la e interpretá-la mais adequadamente. A realidade da “dureza da vida” deve ser levada em conta, certamente. Mas a vida não se limita a isso. Como observa Lewis, devemos ajudar o educando a superar esse nível da desilusão e animá-lo para uma nova aventura em busca do sentido mais profundo das coisas.

De acordo com Kreeft, o sofrimento pode, nesse sentido, adquirir uma feição totalmente nova para nós:

O outro significado do mistério — positivo — é o encontrado em Jó. Deus tem seus motivos para deixar que coisas ruins aconteçam a pessoas boas. Mas ele não diz isso a Jó, que não consegue descobrir nada. Aqui, o obscuro é subjetivo, não objetivo. Aqui, nossas mentes estão no escuro, mas Deus é a luz... No mistério das Escrituras, a realidade é a luz e nós estamos no escuro. De fato, estamos no escuro precisamente porque realidade é luz, muita luz. Assim como Agostinho e Tomás de Aquino gostavam de repetir, somos como morcegos ou corujas: enxergamos bem as sombras, mas não o sol. Pelo excesso de luz, o sol nos cega.9

Hoje, mais do que nunca, é necessário lembrar aos que se queixam da dureza da vida que as coisas não são obscuras por si mesmas, mas porque, de fato, perderam algo e sofrem as conseqüências dessa falta. E, como nós mesmos temos essa carência, somos vulneráveis às preocupações cotidianas. De acordo com as cartas de Lewis a uma amiga americana, um dos maiores desafios é aprender a viver as preocupações do dia, sem transferi-las do passado ou do futuro:

Suponho que viver a vida a cada dia (...) é precisamente o que nós temos que aprender — mesmo quando o velho Adão em mim às vezes alega que, se Deus quisesse me fazer viver como os lírios do campo, por que não me deu a mesma dose de nervos e imaginação que eles! Ou será esse precisamente o ponto, o propósito exato deste paradoxo divino e audacioso chamado ser humano — fazer, dotado de razão, tudo aquilo que outros seres fazem sem ela?10

Então, para aprendermos a enfrentar o desafio de viver a vida, temos a necessidade de compreendê-la, de apreender a sua lógica interna, sua ratio (a tradução latina de logos) ou razão de ser mais profunda, “aplicando corretamente a inteligência” a ela (que é um dos conceitos de “estudar” no Dicionário Aurélio). A razão, longe de ser um empecilho à fé, pode vir a se tornar um grande instrumento para o homem perceber o lado bom que há nas coisas e assim viver de modo menos depressivo, desesperançoso e auto-depreciativo do que vem vivendo neste final de século. E o grande desafio do educador do presente e do futuro é o de ponderar todas essas coisas e descobrir meios criativos para representar o seu sentido mais profundo de forma perceptível ao educando, transformando a sala-de-aula numa aula viva, e a qualidade do ensino em qualidade de vida.

B. Apre(e)nder pela razão
Uma das melhores formas de lidar com as coisas é explaná-las ou explicá-las, ou seja, tirar as suas plicas (prega, dobra, vinco, em latim), como se aplaina um papel todo amarrotado (daí também derivam-se complicar, replicar, aplicar, duplicar, etc.), exprimindo-as por meio da linguagem. Essa é uma das razões pelas quais Lewis escrevia tanto: para, aplicando o método da simplicidade, clareza e gratidão (que é o estilo distintivo dos autores “clássicos” da filosofia cristã como George MacDonald, Tolkien, Chesterton, etc.) traduzir a experiência viva em literatura e, assim, representar as coisas como elas são, que é o primeiro passo para aprender a lidar com elas. Dessa forma, Lewis também realiza o sentido profundo do imperativo de Paulo de “considerar todas as coisas e reter o que é bom” (ver 1 Ts 5.21).

Em The Allegory of Love,11 Lewis denuncia o mau uso que se pode fazer da mente e da imaginação de que ela se vale para representar a realidade. É interessante notar, a partir da literatura medieval e renascentista, os extremos em que cai o homem quando busca a felicidade onde ela não pode ser encontrada. Um desses extremos pode ser chamado de simbolismo, que é uma espécie de dualismo reducionista que exalta o símbolo da mulher amada como uma divindade capaz de eliminar todo tipo de mal e de substituir a própria realidade.

No capítulo 2 desse livro, Lewis explica que o simbolismo ou sacramentalismo é a tentativa de interpretar ou enxergar um modelo visível por detrás do que é invisível. Trata-se de uma espécie de “ocultismo” ou vontade de desvendar tudo o que está oculto atrás das coisas, como podemos observar no seguinte exemplo da literatura: “Todo o transitório é apenas uma metáfora” (Goethe).

Por outro lado, há os que, quando percebem que embaixo da casca da cebola podemos encontrar apenas outra casca de cebola, passam a duvidar até mesmo do conceito de cebola, recaindo no irracionalismo, que nega até o eterno: “Todo o eterno é apenas uma metáfora” (Nietzsche).

Acontece que o invisível não pode ser interpretado em nada que seja visível. Na verdade, as coisas materiais é que são símbolos ou imagens de uma realidade mais concreta, que não deixamos de enxergar porque se escondem, mas porque vão além da nossa capacidade de visão. Por isso é que toda tentativa de interpretação humana das imagens sempre continuará sendo uma tentativa, e toda linguagem humana, uma metáfora. O problema, então, não está nas coisas que se ocultam, mas no olho do ser humano, que não as vê, e na sua capacidade de expressão imperfeita. E isso não muda em nada o fato de que a cebola é uma cebola.

O verdadeiro sabor do texto medieval não é nada simbolista (como grande parte dos textos renascentistas, por exemplo) nesse ponto:

Tipicamente o homem medieval não era um sonhador ou aventureiro espiritual; ele era um organizador, um codificador, um ser sistemático. Seu ideal poderia ser resumido com nada mais do que a velha e familiar máxima: “Um lugar para cada coisa e cada coisa no seu (devido) lugar.”12

O homem moderno, ao contrário, é capaz de se perder em meio a infinitas redes de significados éticos e sociais metafóricos. É certo que o homem medieval não tinha tanta ciência, mas tinha muito maior transcendência, a partir da astronomia antiga de um Ptolomeu e, principalmente, de um Aristóteles, com seu pressuposto de que qualquer movimento ou espaço só pode existir se partir de um Primum Mobile ou Motor Imóvel, o primeiro impulso, a força de ignição do Universo. Antes mesmo de Newton, os antigos já discutiam a questão einsteiniana do “ovo de colombo,” que, em termos de Newton, encontra-se na 2ª lei do movimento: “Todo corpo permanece em seu estado de repouso ou Movimento Uniforme em linha reta, a menos que seja obrigado a mudar seu estado por forças impressas nele.”13

Segundo Lewis, para além do homem antigo e do renascentista, quando o homem medieval olha para o céu estrelado depois de uma festa, não imagina as camadas ou misturas de gases que poderiam estar separando a terra da lua; ele não vê um grande e silencioso vazio, mas um mundo invisível repleto de almas.

O homem medieval vê um Mundo para além dos muros da catedral, do castelo ou da cidadela, que também chamamos de céu (heavens). Ele vive, por assim dizer, como quem está do lado de fora dos muros da grande cidadela.

Do lado de fora do muro — é este o ponto. Voltando por um pouco à experiência que eu mencionava no início, de olhar para as estrelas após uma ópera ou festa:

Todo o contraste entre a experiência medieval e a nossa própria só aparece agora. Pois, o que quer que sintamos, certamente sentimos que estamos olhando para fora; para fora de algum lugar quente e iluminado e para uma desolação escura, fria e indiferente; para fora de uma casa, em direção ao mar escuro e solitário. Mas o homem medieval sentia que estava olhando para dentro. Aqui é o lado de fora. A órbita da lua é a parede da cidade. A noite abre as portas por alguns instantes e nós pegamos alguns lances da pompa que está ocorrendo do lado de dentro; ficamos só olhando, como animais ficam de olho no fogo daquele acampamento em que não podem entrar, como os bárbaros ficam de olho naquela cidade...14

A título de contraste, entre outras obras renascentistas (de Spencer e de Milton, no qual se especializou), Lewis destaca a grande obra de Dante sob três aspectos: o significado “metafísico” do sorriso, o imaginário da Divina Comédia e a apreciação de alguns epígonos, corretores de certos equívocos por ele cometidos.

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