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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A PROPÓSITO DE "OUSADIA E DESAFIO DA EDUCAÇÃO TEOLÓGICA"

Parte XI
A PROPÓSITO DE "OUSADIA E DESAFIO DA EDUCAÇÃO TEOLÓGICA"

Ousadia e Desafios da Educação Teológica - 100 anos do STBNB (1902-2002) (Recife, STBNB Edições, 2002), é um pequeno grande livro escrito pelo Dr. Zaqueu Moreira de Oliveira, Diretor-geral do Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil (Recife, PE), para comemorar o centenário dessa respeitada instituição de ensino. Após sua leitura, algumas idéias foram anotadas. 


A Educação Teológica é tão antiga quanto a própria história sagrada; quanto os dias do Novo Testamento. Da Idade Média ao século 19, houve acentuadas mudanças. Na história do pensamento, tudo girava em torno da Educação Teológica. Havia quatro disciplinas básicas: o Direito (Leis), a Teologia, a Medicina e as Artes. Mais adiante, a Teologia se separa das outras disciplinas, organizando-se nas universidades as Escolas de Divindades (Divinity Schools ou Divinity Colleges), oferecendo o grau de Doutor em Divindades (D.D.), que na Europa é grau acadêmico compatível com o Doutor em Teologia (Th.D.), e nos Estados Unidos um grau honorífico (Honoris Causa). O grau de Mestre em Divindades (M.Div.), um mestrado profissional, de cunho nitidamente pastoral, em contraposição ao Mestre em Teologia (Th.M.), voltado para a pesquisa e ensino. A partir do século 19, o modelo alemão de pesquisa se tornou dominante no campo da teologia.

Existem valores que são intrínsecos e valores que são instrumentais na Educação Teológica tanto quanto em qualquer outra qualidade de educação. O valor intrínseco é ajudar o seminarista a se tornar uma pessoa de qualidade mais do que ensiná-lo a fazer determinadas coisas. 



O valor instrumental é capacitá-lo a atacar os problemas do mundo em que atua, e não apenas os problemas acadêmicos, o seu dia a dia, a prova, os trabalhos escritos. É uma visão maior, global do mundo.


Devemos refletir igualmente sobre certas razões práticas e pedagógicas e teológicas. No caso do motivo prático, o ministro deve ser como Cristo, ter a mente de Cristo; deve conhecer a Palavra de Deus, pois o mesmo Jesus Cristo exorta que "Errais não conhecendo as Escrituras...", e ele deve fazer a obra do ministério, e completando-se, então, com "Errais não conhecendo... o poder de Deus". O ministério, o serviço do evangelho, é o poder de Deus em ação.


Razões pedagógicas são o comprometimento com Deus, que deve ser uma ênfase levada muito a sério; uma sólida educação teológica, e ousamos dizer que algo importante em que o Seminário pode ajudar o seu ministro (uso a palavra "ministro" para abranger os ministérios que são objeto de atenção e ensino por parte deste Seminário) é a questão dos relacionamentos, tanto na sua comunidade eclesiástica quanto na sociedade. O Seminário é um laboratório, é uma amostragem do que será a igreja de Cristo que o ministro há de liderar, e quem consegue passar, especialmente pelo internato do Seminário, está habilitado a assumir qualquer igreja depois, por ser uma amostra dos variados comportamentos dos que fazem a igreja. 


Outro fenômeno que ocorre nos seminários é a presença de idosos e de mulheres, que fiéis ao seu chamado buscam melhor preparo para o exercício dos seus ministérios. Isso é mais uma amostra da vida da igreja onde somos servos. Mencione-se, outrossim, o aprofundamento da compreensão pessoal da fé.


Quanto às razões teológicas, lembramos que David Tracy escreve que a Educação Teológica deve olhar para três públicos: a escola, a igreja e a sociedade. Ele alia à escola a theoria; à igreja, a poiesis; e quanto à sociedade, faz uma aliança com a praxis. A Profª Areli Perruci, que nos precedeu, mencionou em suas observações que era preciso tirar da tarefa para o processo.. É, em outras palavras, o que foi explicitado por Tracy ao dizer que precisamos tratar com a teoria, o pastoreio e a prática, em referência, respectivamente, à academia, a comunidade de fé e a sociedade. 


Sempre se tem discutido o papel, a função e a tarefa da Igreja. O Pr. Martin Luther King, Jr. entendia ser a Igreja a sociedade perfeita, tendo usado a expressão "abençoada comunidade" para a ela se referir. Disse ele que "é nessa abençoada comunidade que o racismo é denunciado, a justiça social proclamada, o pecador considerado bem-vindo a voltar para casa, e o perdido e ferido encontram refúgio, e onde todos são incluídos na graça de Deus". Essa é a igreja onde vamos exercer a nossa poiesis, onde vamos utilizar a função de cura-d'almas.

E então vem a ousadia. Jim Mannoia enfatizou que a Educação Teológica é um "negócio de risco". E, lendo o livro do Dr. Zaqueu de Oliveira, descobrimos que o STBNB sempre foi um "negócio de risco".


Por que dizemos "educação teológica" e não "educação ministerial"? Talvez porque se faça ligação do primeiro termo à educação fornecida pelos seminários, quando, na verdade, Educação Teológica é todo repasse da linguagem sobre Deus, dos conceitos acerca de Deus. Quer dizer que quando ensinamos a uma criança um conceito sobre a Pessoa Divina, estamos fazendo educação teológica. Há quem pense que Educação Teológica é privilégio de quem vai dar tempo integral no ministério da Palavra, nas equipes ou organizações para-eclesiásticas ou missionárias.

Para outros, vai restar a Educação Religiosa (ou Cristã, como alguns a chamam) como algo separado da Educação Teológica. Lembremos: é uma linguagem acerca de Deus e um aprendizado dos Seus atributos porque toda Educação Cristã é Educação Teológica, e não apenas o que é discutido e ensinado nos seminários.

Robert Pazmiño, autor do livro Deus, nosso Mestre - fundamentos teológicos na educação religiosa (God, Our Master - theological basics in religious education), publicado em 2001 pela Baker (EUA), afirma que a Trindade é um tema teológico perfeito, podendo servir como excelente referencial para a nossa educação. Essa não é uma idéia nova, pois James Stewart já a havia apresentado, bem como Nells Theré.

A idéia é que Deus-Pai é o Supremo Educador. É o Mestre. Dele procede todo o conteúdo da educação que repassamos. Jesus Cristo, o Filho, é o Mentor, o modelo em Cuja Pessoa está exemplificado tudo o que o Mestre deve ser em termos de relacionamento com os seus educandos e com os outros. Toda a fome de amor e de cuidado encontram satisfação em Jesus Cristo e na pessoa daquele que O segue no ministério do ensino, os pastores, os educadores religiosos e os educadores musicais. O Espírito Santo é o Tutor, o Conselheiro, Que sustém a vida da sociedade cristã e da sociedade mais ampla de modo a cumprir os propósitos divinos para o contexto em que estamos inseridos.


Há outros desafios: ministros e suas esposas são parceiros no ministério. A esposa deste comentarista é seu braço direito e braço esquerdo no ministério. Por esse motivo, há necessidade de preparo da esposa do ministro. E lembramos a iniciativa pioneira do STBNB, no final dos anos 70, quando foram criadas classes especiais para as esposas dos alunos que não tinham preparo acadêmico formal para ingressar nos cursos regulares do seminário. Com isso, seriam capacitadas num referencial de linguagem e de prática no ministério dos esposos. O preparo do cônjuge, do marido da ministra, constitui-se igualmente num desafio.


A magnífica biblioteca do STBNB com acima de 50.000 volumes deve levar à leitura. Não entendemos como pode alguém passar quatro anos no Seminário e não ler, no mínimo, três livros por mês. David Mein, por muitos anos reitor desta Casa de Profetas, sempre disse que "a biblioteca são os pulmões do seminário".

Algumas vocações só funcionam com muita leitura, muito olho no olho e coração ouvindo o outro coração. É o caso dos psicólogos, dos psicanalistas, dos terapeutas de um modo geral. Uma dessas vocações é a ministerial. Por essa razão, mormente, o trabalho de aconselhamento, de cura-d'almas, do preparo do casal para o futuro casamento, é o que chamamos de "vocação de escuta": tanto quanto o psicólogo, o pastor precisa do exercício da leitura e muita interação com a ovelha.

Podemos partir para outras alternativas em educação, como a educação on line e a educação à distância, que o STBNB, aliás, já está realizando. Há quem não tenha recursos, tempo, ou não possa deixar o trabalho para vir passar quatro anos aqui. Seria o caso de ser mentoreado ou supervisionado via web ou por outros meios. A International School of Theology, em San Bernardino, Califórnia (EUA) é uma ministério da Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo oferecendo cursos de Bacharelado e Mestrado, tendo extensões em Nairobi, Manila e Cingapura. É um seminário reconhecido pela correspondente norte-americana da ASTE, e utiliza cursos via internet.

O SeminárioTeológico Presbiteriano do Rio de Janeiro desde 1997 tem atuado nesta direção, e foi iniciado em forma experimental em 1998. Definiram os professores encarregados o formato do curso, sendo que quatro professores são do seminário do Rio, dois do seminário de Campinas, dois do Recife, e um reside na Holanda. 48 horas após o lançamento do curso na rede, vinte pessoas já estavam inscritas. Hoje tem acima de 190 alunos.

A seriedade com que as Denominações históricas tratam o tema da Educação teológica, e as regulações do Ministério da Educação vêm minimizar os chamados "Cursos Intensivos de Preparação de Obreiros", os famosos "C.I.P.Ós". Uma legislação competente e um reconhecimento pelos órgãos interdenominacionais e denominacionais (ASTE, ABIBET, AETAL) diminui essa nefasta influência. Em Salvador, havia quatorze escolas ditas de teologia no começo de 2001, desde as confessionais, as ecumênicos e os "CIPÓs".

Precisamos repensar uma Educação Teológica que seja relevante tanto para nossa pátria quanto para o mundo em geral. A questão de fundos é importante. Em outros países, pessoas e organizações fazem maciças doações aos seminários. Esse dinheiro é abatido do Imposto de Renda e financia uma cátedra. O professor recebe seu salário dos rendimentos deste fundo. No Brasil, tal fato é impensável. Mas sempre há soluções, como os Fundos Memoriais.

Como nós repousamos em Jesus Cristo, Ele nos assegurou que "Eis que faço novas todas as coisas", o que inclui uma nova visão ou re-visão do ensino acerca de Si mesmo. E estando Ele conosco, chegaremos lá.

[Esta reflexão foi apresentada no Painel sobre Educação Teológica patrocinado pela Associação dos Ex-alunos do STBNB, Recife, janeiro de 2002.

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Um comentário:

  1. Fico feliz com a transcrição deste meu trabalho. Solicito a fineza de reconhecer o crédito. Sou o Pr. Walter Santos Baptista, ex-professor do Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil,(onde lecionei por 13 anos, do Seminário de Educação Cristã (ambos no Recife) e do Seminário Teológico Batista do Nordeste em Salvador (12 anos).
    Pastoreio a Igreja Batista Sião, Salvador, BA.
    Grato e que a Paz de Cristo repouse sobre o irmão.
    (pastor@igrejabatistasiao.org.br)

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