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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O JESUS HISTÓRICO E O REINO DE DEUS

Qual era a expectativa de Jesus acerca do reino de Deus? Na verdade, o “reino de Deus” era o tema central de toda a mensagem de Jesus! Reinado ou reino de Deus, porém, era mais do que um conceito presente na mente de Jesus e expresso em discurso. Era a força impulsora de toda a sua carreira. Tudo o que Jesus realizava em palavra e ação era descrito como “sinal” do reinado de Deus em irrupção.




Mas o consenso dos eruditos se desfaz no momento em que começam a descrever o significado do reino de Deus. Na teologia protestante do século XIX, o reino de Deus era interpretado predominantemente em termos morais, quer pessoais, quer sociais. Dois nomes que surgem apoiando esta interpretação foram os de Friedrich Schleiermacher e Albrecht Ritschl.

O reino de Deus não virá como o resultado cumulativo de boas obras humanas e do progresso histórico. Ele é, antes, um milagre do poder de Deus irrompendo de além do âmbito da potencialidade humana. A pesquisa de Weiss e Schweitzer mostrou que o reino de Deus esperado por Jesus em futuro próximo se assemelhava mais a um fim apocalíptico para o mundo do que a um paraíso sobre a terra forjado gradualmente por meios humanos. O evento escatológico vem como uma lâmina afiada penetrando o momento presente.

Não faz muito tempo, pensava-se que nosso principal problema na cristologia era que não sabemos virtualmente nada a respeito do Jesus histórico. Agora, o problema é, antes, que uma quantidade maciça de pesquisa focalizou a mensagem de Jesus acerca do reino vindouro, deixando-nos ainda inseguros quanto a como interpretá-lo. O problema deslocou-se da história para a hermenêutica.

Como podemos seguir Jesus em conceber a basileia (reino, reinado) de Deus como uma realidade de outro mundo, de magnitude cósmica, prestes a irromper a qualquer hora? De acordo com Harnack, os ensinamentos éticos de Jesus ainda são válidos, ao passo que suas idéias escatológicas são estranhas aos tempos modernos.

Mas, o que Jesus realmente queria dizer com “reino de Deus”? quando falava do reino, Jesus não tinha em mente um âmbito no espaço e no tempo. O termo não se refere a uma região espacial, e sim ao reinado dinâmico de Deus. Talvez devêssemos dizer simplesmente que a vinda do reino significa a vinda de Deus. Esperar o reino é estar aberto para a vinda de Deus, nada menos do que isto. Mas isto tem significado universal, pois quando Deus vem em poder o mundo precisa mudar. As coisas não podem permanecer como estão. Deus não é um soberano ocioso sentado no trono. Deus agirá quando vier, tanto em obras de juízo quanto em obras de graça. O reino não é uma condição deste mundo que possa ser realizada por meios humanos. Não é um predicado deste mundo.

Uma grande inversão na ordem das coisas está para acontecer. De acordo com Lucas 6:20s., os pobres ficarão felizes, os famintos serão saciados e os que choram rirão. Só a vinda do reino de Deus pode gerar o poder de produzir tal miraculosa reviravolta no mundo humano. No entanto, o propósito de tais eventos-sinal é apontar para a vinda de Deus e do domínio de Deus, e não focalizar uma nova ordem social como bem último em si mesma.

Na mensagem de Jesus, o reino de Deus nunca deixa de ser mistério. Ele nunca ofereceu uma definição ou uma descrição direta. A ética de Jesus está carregada de pressuposições escatológicas; ela faz sentido como uma moralidade que prefigura a nova realidade do reino de Deus que se aproxima. Quando posta em operação num contexto terreno, a ética de Jesus visa funcionar como sinal do reino que vem.
Seu propósito não era transmitir informação sobre o reino, como outros visionários apocalípticos tinham feito com vívidos detalhes. Era, antes, convencer seus ouvintes de que estava mais do que na hora de se aprontar para a vinda de Deus.

Um dos mais acalorados debates da moderna pesquisa do N.T. tem girado em torno da pergunta se Jesus esperava a chegada do reino no futuro muito próximo ou se já estava sendo realizado no presente. A maioria dos especialistas concorda, todavia, que, decididamente, a maior parte das passagens que podem ser atribuídas ao Jesus histórico retrata o reino de Deus como uma grandeza que chegou tão perto que tem um impacto presente.

Jesus olhava para a frente, para a salvação que o reino vindouro traria; a igreja primitiva olhava para trás, para ele como o Cristo que já tinha tornado o reino presente. Não obstante essa orientação para o passado, a igreja primitiva também se voltava para a frente, esperando uma consumação futura.

As curas milagrosas e os exorcismos de demônios por ele praticados eram sinais adiantados do reino que vem. Obviamente, o reino de Deus ainda não tinha sido estabelecido aqui e agora. Agora há pessoas pobres e famintas. Quando o reino vier, sua miséria será removida. Agora elas sofrem; em breve exultarão.
Quem ensina que o reino já foi realizado no tempo de Jesus transforma numa farsa o amor de Jesus pelos pobres, oprimidos, famintos, enlutados, doentes, sobrecarregados, alienados, etc. Jesus prometeu a todas essas pessoas que o reino viria em breve para mudar sua sina.

Daqui surge uma outra questão, Jesus não era um quietista, oferecendo consolo barato às pessoas cuja situação deplorava, mas em relação à qual nada fazia. Há cristãos que querem tomar a cruz e seguir Jesus, porém não têm esperança de alterar as condições que criam pobreza e opressão. Recomendando sofrimento paciente neste mundo, prometem uma recompensa celestial no outro mundo. Mas, Jesus, pelo contrário, fez o que pode para trazer o poder do domínio de Deus aqui para a terra.

A gênese da cristologia no Novo Testamento, aparece-nos também, como um assunto básico nesta matéria. O precursor de Jesus, João Batista, também pregou a mensagem do reino vindouro, anunciando juízo impendente e tempo de arrependimento. Jesus, porém, era diferente, ele não era o último profeta do reino por vir; era o agente de sua chegada em início e em poder. As realidades do reino já estavam começando a agitar-se dentro da história por meio do impacto do ministério de Jesus.
A raiz da cristologia no ministério de Jesus não está localizada num título honorífico determinado que ele tenha reivindicado para si mesmo. O importante é que Jesus não era apenas o proclamador, mas também o portador do reino no ponto de sua erupção. Assim, a gênese da cristologia reside no fato de que uma pessoa se relaciona com o reino vindouro através de sua decisão a favor de Jesus ou contra ele, como a ocasião da irrupção do reino no tempo.

Se Jesus era o Messias, o Filho do Homem, o Filho de Deus ou o Senhor não depende de acharmos estes termos como autodesignações nos lábios de Jesus, mas da questão se a comunidade primitiva tinha boas razões para aplicar esses títulos a ele como confissões de fé.

Muitas escolas da teologia não procuram o cumprimento da expectativa de Jesus no duplo final de sua vida, na cruz e na ressurreição. Um tipo de interpretação sustenta que o reino de Deus ainda não apareceu; ele ainda é futuro e de outro mundo, não deste. Uma Segunda posição vê o reino como uma chamada para a decisão aqui e agora, no confronto com a mensagem de Jesus; ele já está presente em cada momento de decisão existencial. Uma terceira concepção vê o reino de Deus como algo que está no futuro histórico e que vem por meio de transformações sociais e políticas, ou gradual e progressivamente ou por meio da práxis revolucionária.

Na crucificação e ressurreição de Jesus a igreja primitiva encontrou a prova de que Jesus era o Messias esperado e, além disso, de que ele era o rei do reino que pregara, coroado com uma coroa de espinhos e entronizado numa cruz, tendo então recebido uma vitória sobre os poderes do mal em sua ressurreição dos mortos. Aqui o Cristo da fé e o Jesus da história provam ser um único e mesmo Senhor Jesus Cristo.
Os primeiros intérpretes esquadrinharam as Escrituras hebraicas, o A.T., e usaram seus símbolos e estórias para apontar para a frente, para os acontecimentos “destes últimos dias” (Hb. 1:2) em que as promessas de Javé estavam sendo cumpridas no Filho.

O interesse da igreja era concentrar-se na pessoa de Jesus como o Cristo de Deus, pois nele ela tinha experimentado salvação escatológica. A vinda do reino na cruz mantém o reino oculto na história e só pode ser vista com os olhos da fé. Se deixamos a fé de lado e olhamos para a história com olhos ordinários, não encontramos provas convincentes de que o reino de Deus já veio. Assim como o próprio Jesus disse: “O meu reino não é deste mundo”.

A fé cristã primitiva manteve a tensão entre duas verdade. De acordo com a verdade da fé, o reino de Deus já chegou em Cristo. Isto se encontra em tensão com a verdade sobre a história de que o reino ainda não veio. A realidade plena do reino de Deus foi, assim, dividida num já e num ainda não.

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