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segunda-feira, 8 de março de 2010

XXXV - IGREJA E SEITA

Parte XXXV
IGREJA E SEITA
O assunto não é novo porque, já nos primeiros dias da Igreja Cristã, facções, partidos, dissensões e heresias pretendiam dominar a cena. É bastante ir a 1Coríntios 1, e ler o apelo, verdadeiro clamor, que faz Paulo, apóstolo, ao dizer: 





"Rogo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que sejais concordes no falar, e que não haja dissensões entre vós; antes sejais unidos no mesmo pensamento e no mesmo parecer. Pois a respeito de vós, irmãos meus, fui informado pelos da família de Cloé que há contendas entre vós. Quero dizer com isto, que cada um de vós diz: Eu sou de Paulo; ou, Eu de Apolo; ou, Eu de Cefas; ou, Eu de Cristo. Será que Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado por amor de vós? Ou fostes vós batizados em nome de Paulo?"(versos 10-13). 

No entanto, o Novo Testamento é claríssimo quando alerta sobre os duvidosos ensinos e nos passa 

"Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo grande desejo de ouvir coisas agradáveis, ajuntarão para si mestres segundo os seus próprios desejos, e não só desviarão os ouvidos da verdade, mas se voltarão às fábulas" (2Tm 4.3,4), 

e assim se introduzem nas vidas e mentes dos que lhe dão ouvidos e, por essa razão, estão "sempre aprendendo, mas nunca podendo chegar ao pleno conhecimento da verdade" (2Tm 3.7).



COMPREENDENDO CONCEITOS



Faz-se necessário, entanto, compreender alguns fatos sobre a palavra "seita". Um deles é que o sentido desta palavra no Novo Testamento nem sempre é pejorativo, visto que a palavra grega hairesis pode significar "partido, facção, grupo" ou, mesmo "heresia", com o sentido de grupo divergente da crença de maioria. Deste modo, os judeus da época de Jesus se dividiam em grupos ou partidos religiosos que recebem o nome de "seitas" com o significado básico de "partido". O livro dos Atos dos Apóstolos menciona a "seita dos saduceus" ou "partido dos saduceus" (BLH), a "seita dos fariseus", e a "seita dos nazarenos" (respectivamente, 5.17; 15.5; 24.5,14). Acrescente-se que a 'seita dos nazarenos" é o grupo dos cristãos entendido como uma facção dentro do judaísmo.

Primariamente, hairesis quer dizer "partido, grupo". Mais adiante, a palavra já conota "facção, dissensão", e um pouco mais além, "heresia", "seita" (no sentido hodierno de grupo de pessoas que esposam uma crença divergente da opinião pública chamada ortodoxa). O assunto, porém, pode ser abordado sob diferentes perspectivas: a da Sociologia da Religião, a Católico-Romana e a Evangélica Reformada.



COMO DISTINGUIR?



Como distinguir igreja de seita, pois igrejas e seitas compartilham características sociais semelhantes? Como fazer para classificá-las de acordo com a ciência, com a Sociologia da Religião?

O precursor desses estudos foi Ernst Troeltsch, historiador e teólogo alemão que, por volta de 1912, dividiu os grupos religiosos em duas largas avenidas. A um grupo chamou "tipo igreja", a outro, "tipo seita". Convém salientar que são "tipos" ideais e não rígidos, até porque grupos que, de acordo com a sociologia, teriam começado como seitas, em outro momento tornam-se de "tipo igreja". 

O "tipo igreja", pela sociologia da religião, é eminentemente conservador. É grupo que aceita, até certo limite, a ordem secular da sociedade onde está inserida; é grupo que usa o Estado e a classe dominante, chegando ao ponto de dependência das classes altas. E como o "tipo de igreja" se identifica com o país, quem nasce no país nasce também na Igreja estatal. Com isso, minimiza-se a questão da santidade pessoal, e maximizam-se os sacramentos e os clérigos que os administram porque distribuem a esperada graça dos céus. 

Por outro lado, o "tipo seita" rejeita identificação com o mundo e com a sociedade. Está mais para as camadas desfavorecidas ou sem poder; sua liderança é em geral, leiga, e pontua-se, geralmente, o misticismo e o ascetismo. Esta é uma abordagem de lato sensu..

A Igreja Romana faz distinção entre cisma e heresia. Cisma é a recusa em reconhecer a autoridade do papa, ou de manter comunhão com os fiéis de grupos subordinados ao Vaticano. Isso acentua que as Igrejas Orientais ou Ortodoxas são cismáticas, mas não heréticas. Heresia, para a Igreja Romana, é a negação de uma doutrina por ela esposada por alguém batizado e que mantém o nome de cristão. Os grupos religiosos procedentes da Reforma do século 16 (luteranos, calvinistas e independentes) são considerados, então, heréticos, apesar do delicado eufemismo "irmãos separados".

Na ótica católico-romana, seita é o grupo cristão que não endossa os dogmas, e certas doutrinas da Igreja Católica Apostólica Romana. O parâmetro de aferição, nesse caso, é comparar o grupo com a própria Igreja Romana e suas crenças e práticas. É uma posição de stricto sensu.

O caso dos reformados é outro. Inicia-se com o termo evangélico que é restritivo, e não pode ser aplicado a qualquer grupo indiscriminadamente como o faz a mídia e o povo em geral. É termo exclusivo, e salienta determinados princípios abrigados, respeitados, e proclamados, deixando de lado o que não foi salientado pela Reforma. Nesse caso, que método deve ser usado para se conceituar uma Igreja Evangélica e uma seita popular e equivocadamente chamada "evangélica", e que a si mesmo se dá esse nome? 

Já afirmamos que o tema é antigo. A carta de Judas nos exorta a "pelejar pela fé que de uma vez para sempre foi entregue aos santos" (v. 3b). E explica que "se introduziram furtivamente certos homens... que convertem em dissolução a graça de nosso Deus" (v. 4). E o apóstolo Paulo completa: "aos quais é preciso tapar a boca: porque transtornam casas inteiras ensinando o que não convém, por torpe ganância" (Tt 1.11). 

Assim, em stricto sensu, uma seita (do latim secta, "cortado, separado" ou, possivelmente de sequor, "seguir") é um grupo religioso desencaminhado, desviado dos padrões de doutrina e prática do Novo Testamento, e dos princípios da Reforma.

Então, se queremos conceituar Igreja Evangélica, devemos olhar para as bandeiras da Reforma Protestante, que são os seus princípios. Para identificar que verdadeiramente pode e deve ser chamado de "evangélico", e quem com eles é confundido, é bastante examinar os estandartes da Reforma e analisar se o grupo ou movimento levanta esses mesmos estandartes.

Os princípios da reforma são: "Só a Graça, Só a Fé e Só a Escritura", aos quais pode-se acrescentar, para ênfase tão somente, "Só Jesus". O parâmetro de aferição é, portanto, comparar o grupo com o que ensina o Novo Testamento sintetizado nestes princípios. É por esse motivo que o termo evangélico é restritivo e exclusivo.

O evangélico começa com a Bíblia ("Só a Escritura"), que se constitui na sua regra de doutrina e práxis. Se não está na Bíblia, o evangélico não endossa, ou, como diz o escritor D. M. Lloyd-Jones: "um evangélico não subtrai nem acrescenta", porque se fundamenta em Apocalipse 22.18, 19: 

"Eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste livro: Se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus lhe acrescentará as pragas que estão escritas neste livro; e se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus lhe tirará a sua parte da árvore da vida, e da cidade santa, que estão descritas neste livro". 

Não basta o grupo chamado "evangélico" falar na Bíblia, ou em Jesus Cristo, ou em salvação. É necessário observar-se o que não diz, e o que só diz depois que faz um prosélito. 

De que Cristo estão falando? Há muito Cristo que não corresponde ao do Novo Testamento. É o caso do Jesus de certas seitas que nada tem com o Filho de Deus. De que Espírito Santo estão falando? Muita coisa tem sido atribuída ao Espírito Santo, e que não tem respaldo na Bíblia; tanta coisa procedente de estados emocionais perturbados, ou peculiaridades de temperamento, de indisposição orgânica, e de má formação doutrinária. O Espírito Santo de certos grupos é exaltado acima do nome de Jesus, a respeito de quem diz o Novo Testamento: 

"Para que o nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus cristo é Senhor, para Glória de Deus Pai" (Fp. 2. 10, 11; cf. 1Co 8.6; Ap 5.13). 





De que salvação fala o púlpito de certos movimentos? Salvação pelo próprio esforço? Pelo conhecimento (como pregam grupos neognósticos)? Salvação que tem que ser sustentada pela guarda do sábado, senão se a perde?



Sem dúvida, o passado tem muitas lições a nos ensinar. Há nestes dias uma situação muito semelhante àquela anterior ao grito de Reforma: a Bíblia está sendo anunciada cada vez menos. Cresce a indiferença para com a sã doutrina. A autoridade e seriedade dos pastores evangélicos vêm sendo contestadas, duvidadas e rebaixadas, trazendo como triste conseqüência a falta de respeito pelo santo e legítimo ministério. Se olharmos para 483 anos atrás, veremos os líderes da Reforma olhando igualmente para a Igreja do primeiro século, o que os desafiou a retornar ao ensino apostólico. 

Como evangélicos, nossas convicções são: crença na autoridade da Bíblia (2 Tm 3.16; Rm 15.4): a doutrina basilar, central, medular de Jesus Cristo e sua obra perfeitamente consumada (Jo 19.30; 17.4; Hb 5.8,9; 7.25-27; 9.12; 10.10-12); a crença no sacerdócio universal dos que crêem (Ap. 15.6; 1Pe 2.5,9; Ap 5.10); a crença na pureza da Igreja (Ef 5.25b-27; 2Co 11.2; Cl 1.22), o que leva à ortodoxia na pregação, à pureza na música, e ao exercício da disciplina eclesiástica levando ao crescimento do disciplinado e da congregação.

O apóstolo Paulo até disse: "Porque lhes dou testemunho de que têm zelo por Deus, mas não com entendimento" (Rm 10.2). Muito movimento sectário tem zelo por Deus, mas é falto de entendimento. Quanto a nós outros, porém, "retenhamos, firmemente, a nossa confissão" (Hb 4.14b): a confissão acerca de Jesus e seus ensinos, acerca do pecado como rebelião ativa contra Deus, a doutrina da Igreja de Cristo, Igreja militante que não se confunde com qualquer corpo terreno, movimento ou igreja local, mas é a vitoriosa e gloriosa multidão de todos os fiéis de Jesus Cristo nos céus e os que ainda estamos na terra.

Enfim, do ponto de vista evangélico ou reformado, ser uma seita, é ter abandonado a verdade apostólica. Para se identificar uma seita, é tão somente ver o que pensa e prega sobre os seguintes pontos: 

"Só a graça". Ensina que a salvação é ato da misericórdia de Deus, ou fala em purificação nesta vida, ou em algum lugar do além?

E sobre "Só a Fé"? Fala em auto-salvação, boas obras para salvação, ou em guardar elementos da Lei para não perdê-la?

E quanto a "Só a Escritura"? Adiciona livros para complementar a Bíblia? A tradição? Outra fonte tida como profética? 

E "Só Jesus" no dizer de 1Timóteo 2.5: "Porque há um só Deus, e um só mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem"? A fé é em Jesus ou é fé na fé? Ou fé na Igreja? Ou numa "rosa ungida", "lenço abençoado", óleo de Jerusalém", "'água do Jordão, e quejandos?

Os reformadores do século XVI ensinaram que "somos salvos pela pura graça, mediante unicamente a fé, e temos a Bíblia sagrada como única norma de doutrina e conduta". Se o grupo foge disso, é seita, fuja dele; se aceita isso, liga-se hereditária ou espiritualmente à Reforma, é uma Igreja Evangélica. A seita segue uma verdade pela metade, e verdade incompleta equivale a engodo.

O monumental ensino é que a Igreja Reformada deve continuar sempre em reforma, olhando para as suas bandeiras, e se alimentando do referencial do ensino apostólico.

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