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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

VII - Ética Cristã na carta aos Romanos - Parte I

Parte VII
Ética Cristã na carta aos Romanos - Parte I

Autor(a): PR. RIVANILDO SEGUNDO PEREIRA GUEDES

Auxiliar do Templo Batista Bíblico em Jacareí, Graduação em Teologia no Seminário Bíblico Palavra da Vida


INTRODUÇÃO




Falar em ética em nossos dias realmente não é uma tarefa muito fácil; tendo em vista o cinismo que tem permeado muitas classes de nossa sociedade, principalmente a classe política.

No entanto, não podemos nos eximir em mostrar a nossa “cara”, pois cremos que a Igreja de Cristo é a única que tem um discurso e uma prática que podem realmente mudar o quadro social de nosso país.

O estudo da ética nada mais é do que a análise da moralidade do homem na sociedade. Então, quando estuda-se o ethos de algum povo, estamos, baseados em alguma cosmovisão, “rastreando” a conduta moral do homem.

Assim, a nossa proposta neste trabalho é a de analisar a proposta de ética cristã do apóstolo Paulo, especificamente no livro aos Romanos; buscando compreender as implicações que os seus escritos têm para o homem do Século XXI. Em outras palavras, já estamos deixando claro que a nossa análise partirá dos absolutos de Deus (cosmovisão cristã), os quais são eternos e aplicáveis a toda e qualquer cultura; ademais, este trabalho não pretende abordar “temas” éticos à guisa da filosofia contemporânea, e sim, perseguir a proposta ética de Paulo tendo por base o seu pensamento judaico-cristão.

Este trabalho, então, não intenta estudar capítulo por capítulo do livro de Romanos, antes, elencar os principais temas éticos, “costurando” os argumentos com os textos bíblicos.

I -PANORAMA DO LIVRO DE ROMANOS

Para entendermos melhor o Livro de Romanos faz-se mister expormos algumas questões introdutórias.

A carta aos Romanos é um dos fundamentos para a compreensão da nossa fé. Não se pode dizer que é a carta mais importante do Novo Testamento, porquanto todos os livros neo testamentários formam o corpo doutrinário-teológico da nossa fé; mas, é possível dizer que, é uma carta singular no que diz respeito ao entendimento da liberdade que temos em Cristo por razão da Sua obra consumada.
Romanos foi escrita provavelmente de Corinto, em uma das viagens que o Apóstolo fizera para lá.

Os seus destinatários são Judeus e Gentios cristãos, os quais não formavam apenas uma igreja local no sentido que nós conhecemos (Vide 1:7 – A todos os que em Roma são amados de Deus e chamados para serem santos...), e sim, o conjunto de casas-igreja nas quais os cristãos se congregavam.

O fundamento teológico da carta é a justificação que há apenas no Nome de Cristo. Então, a partir deste tema maior o Apóstolo desenvolve os seus argumentos dentro do campo da ética.

II -A MALDADE INTRÍNSICA DO HOMEM

O Rei Davi já dissera que: em pecado me concebeu a minha mãe. Este é um fundamento básico para iniciarmos o estudo da moralidade do homem. De fato, o homem não é um animal social, o qual nasce bom e é levado ao mal tão somente por influência da sociedade. Ao contrário, ele já nasce em pecado e busca o mal pelo fato dele se encontrar, nas palavras de Santo Agostinho, contaminado pelo pecado, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus - (3:23).

Paulo inicia o livro aos Romanos afirmando que a humanidade, representada ali pelos moradores de Roma, trocaram a verdade pela mentira; ao invés de adorarem a Deus, adoraram a própria criatura; por isso, então, Deus os entregou a uma disposição mental reprovável. É bem verdade que nem todos os homens, em razão da distância de Deus, buscam uma vida de promiscuidade como aqueles buscaram; no entanto, todos aqueles que ainda não foram justificados por Cristo andam “tateando” sem terem uma conduta ética clara que possa leva-los a agradar a Deus, porquanto, a única forma de agradarmos a Deus plenamente é por meio do Sangue de Cristo.

Deste modo, o homem “natural” não tem condições de propor uma mensagem integral para a transformação da sociedade, pois, nas palavras de Schaeffer, a única proposta de transformação real e substancial vem do cristianismo.
Cabe aqui uma aplicação para aqueles que pensam que os ideais humanos podem mudar realmente a sociedade.

Há alguns anos atrás o mundo se viu dividido entre comunistas e capitalistas. Os dois tentaram mostrar para a sociedade que a sua proposta de governo era a melhor e a que realmente atingiria as necessidades básicas do homem. Ledo engano de ambas as partes! Até hoje nenhum dos dois conseguiu de fato suprir as demandas do mundo urbanizado com as suas mazelas e contradições (por mais que eu concorde que o capitalismo tenha conseguido um maior progresso).

Em Romanos 3 observamos Paulo afirmando que não existe nenhum justo, não há quem busque a Deus, não há quem entenda..., isto é, a depravação gerou no homem uma “impossibilidade moral” dele construir uma sociedade mais justa, pois se assim não fosse Cristo teria morrido em vão.

III - A JUSTIFICAÇÃO POR MEIO DA FÉ

Após termos visto que Paulo mostra o homem como absolutamente pecador, dependente de Deus e impossibilitado de fazer “plenamente” o bem para a humanidade, vamos nos deter na proposta de Deus para a mudança do caráter do homem, por meio da Justificação dos seus pecados via o Sacrifício consumado de Cristo.

Paulo nos diz que Deus providenciou a cura para o mal intrínseco do homem. Deus nos prova que Ele é amor e que, quer desenvolver uma relação de intimidade com a sua criatura.

Os capítulos 3 ao 5 passam a discorrer acerca da justificação que há em Cristo. Paulo revela que, por meio do sangue de Cristo, Deus trouxe uma nova era de paz para o homem (5). Então, a partir do momento que o homem se entrega a Cristo, confessando-o como o Seu Salvador e Senhor, a paz de Deus (Fl 4) passa a fazer parte da vida do novo homem, dando-lhe real sentido de vida. Assim, tendo em vista que o pecado é o mal que escraviza o homem, neutralizando-o no que diz respeito a fazer o bem “real”, Deus liberta a Sua criatura, recriando-o à imagem e semelhança de Seu Filho amado, dando-lhes condições de ser o representante de Deus na terra. Ademais, quando o homem crê em Cristo e passa a fazer parte de uma igreja local, ele se torna um emissário do Reino de Deus. O Reino que veio trazer a proposta para “reconstruir” o universo (apesar de que ainda será consumado o Reino sobre a terra. É o “já e ainda não”), e dar esperança para o homem, baseado na obra consumada de Cristo.

É importante frisar que Paulo não tinha interesse de ensinar teologia como um fim em si mesmo, ou à guisa dos compêndios de Teologia Sistemática os quais nós conhecemos. Ao contrário, o seu desejo era o de centralizar o pensamento do povo de Deus na obra de Cristo, para daí leva-los à prática de uma vida correta, que pudesse mudar o contexto de vida deles. Isto é, esta idéia de ensino puramente “intelectual” da fé sem vistas à prática do mesmo, é uma concepção Ocidental de religião e não judaico-cristã. Paulo nunca intentou escrever um compêndio de teologia sistemática conforme conhecemos em nosso meio evangélico ocidentalizado; o seu desejo era o de dar respostas que fossem de encontro aos questionamentos doutrinários e existenciais dos cristãos. Este era o seu real desejo. Ou seja, Paulo entendia que a comunicação teológica se dava por um via muito mais do “coração” do que da “mente” . A teologia deve responder de forma muito clara e direta aos conflitos do homem no seu cotidiano, porém, não de forma superficial, antropocêntrica e simplista. Fazer teologia não envolve “apenas” conhecer o texto bíblico, mas também a realidade em que ele está sendo pregado para que a aplicação faça sentido. Clodovis Boff, em seu livro Teologia Pé no Chão, comenta esta idéia dizendo que a teologia tem que ser feita junto ao povo, e não de forma puramente intelectual sem sentir, contudo, o pulsar do coração do povo. Ele disse:

Pé no chão, significa, em primeiro lugar, uma teologia que caminha com os pés e não com a cabeça. De uma teologia chã, terrosa. Mas sempre grávida dos germes de todo o chão fecundo.

Pé no chão, em seguida, porque esta teologia se faz primeiro com os pés. Trata-se aqui de um pensar teológico que entra pelos pés, penetra por todo o corpo e sobe até a cabeça. Pois há coisas que só captam indo até lá e vendo. Esta teologia diz o que viu e ouviu em suas andanças no meio do povo - (Boff: 1984, 12).

Esta foi a forma pela qual o apóstolo Paulo fez sua teologia. Ele não produziu pensamentos teológicos no vácuo, e sim, mediante situações concretas predefinidas.
Isto chama-se, então, Teologia Prática. Para compreender melhor o que significa este termo, o Dr. Júlio Paulo esclarece afirmando que, “Sendo uma teologia da ação a partir do discernimento, o referencial teórico da Teologia Prática deve ser o de uma teoria crítica e discursiva da ação” ( ZABATIERO, 2003-09 ).

Isto é, a Teologia Prática percorre um caminho diferente do das outras disciplinas teológicas. Ela está mais preocupada com as dimensões da ação cristã, criticando-a e dando-lhe soluções para que possa cumprir melhor os mandamentos de Deus.

Eu não estou afirmando que a Palavra de Deus precise de reparos ou de conselhos. Muito pelo contrário. Creio piamente na Inspiração total das Escrituras, crendo, como conseqüência, na sua Inerrância.

O que quero exprimir é que, o desejo de Paulo era o de formar crentes atuantes e cientes de sua situação histórica. Pois o seu ensino não se deu no vácuo, e sim, em contextos específicos de vivência da fé.
Deste modo, no momento em que o homem é justificado dos seus pecados ele pode se valer do amor sacrificial de Deus para apresentar a Luz para os que ainda estão na escuridão.

III – A LUTA CONTRA O PECADO E O “DESENVOLVIMENTO” DA SALVAÇÃO

Dos capítulos 6 ao 8 Paulo passa a explanar acerca do imperativo da santidade. Para o homem, o limite não é o crer em Cristo, mas, o assemelhar-se a Ele a cada dia. Então, para isso é necessária a santidade.

De acordo com Paulo, a santidade só é possível quando o homem morre de uma por todas para o pecado (cap. 6) ressuscitando para uma nova vida, assim como Cristo o fez (no caso de Cristo Ele morreu não por Ele ter pecado, mas, por nós termos pecado. Ou seja, Ele nos substituiu!). Não obstante, o próprio Apóstolo, nos diz que não temos condições de vencer o pecado, pois o bem que queremos fazer não fazemos, mas o mal que não queremos, esse sim praticamos (cap. 7). Então, a solução está na graça de Deus. Deus é quem vive a vida cristã por nós. Por isso Paulo diz: já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim (Gl 2). Sendo assim, até o processo de santificação é dom da graça de Deus.

Para entendermos a teologia deste brilhante servo de Deus, se faz necessário vasculharmos o seu passado para capturarmos com mais propriedade o seu entendimento da Graça de Deus. O professor Wander pesquisou a vida do Apóstolo e chegou a algumas conclusões:

“Logo após a sua conversão, Paulo desejou imediatamente pregar; evangelizar, salvar o mundo! Seria normal tal ímpeto, afinal, desejava recuperar o tempo que havia perdido, ou ainda, tentar redimir-se dos males que havia causado à igreja de Cristo. Entretanto, ao empreender os primeiros esforços para pregar, as portas se fecharam. Foi então para o deserto da Arábia estudar, refletir, rever toda a sua formação religiosa. Três anos depois decidiu ir para Jerusalém. Lá as portas se fecharam novamente. Sobreveio-lhe, então, certa crise pessoal quanto à sua vocação. Mais dez anos se passaram. Foi quando Barnabé decidiu então procurá-lo, levando-o para a Igreja de Antioquia. Ali, mais um ano ainda teve de esperar. Totalizaram-se, desta forma, 13 ou 14 anos de espera desde a sua conversão, pois, converteu-se aos 28 anos e iniciou o seu trabalho missionário por volta dos 41. (Vide Gálatas 1:10-2:1).

Romanos, juntamente com Gálatas, mostram de forma muito clara a intenção de Paulo em expor que Deus havia libertado o povo da escravidão da lei e, que a vida cristã deveria ser vivenciada tomando por fundamento a Graça de Deus e o sacrifício de Cristo sendo, então, desnecessária a prática de leis cerimoniais da religião judaica.

Elas em conjunto testificam, portanto, da inutilidade do “esforço” humano para nos torna-los mais benquistos diante de Deus; ao contrário, Gálatas e Romanos (esta foi escrita após aquela) são testemunhas da Suficiência que há apenas no sacrifício de Cristo por nós, conferindo para “todo o que nele crê” a possibilidade de crescer na graça e no conhecimento do nosso Salvador.

As duas cartas revelam uma harmonia de assuntos e objetos incontestáveis. Os principais temas que observamos nas duas, são :

Gl 1:15-16 Rm 1:1-5 Separação para o Apostolado
Gl 2:15-21 Rm 3:19-28 Justiça da Fé
Gl 3:6-25,29 Rm 4:1-25 Abraão
Gl 3:26-28 Rm 6:3-5 Batismo
Gl 4:1-7 Rm 7:1-8,16 Servidão e Liberdade
Gl 4:21-31 Rm 9:6-13 Lei e Promessa
Gl 5:13-15 Rm 13:8-10 Liberdade do Amor
Gl 5:16-26 Rm 8:12ss. Vida no Espírito

Udo Shnelle chega, ainda, a dizer que, os conceitos de liberdade e vida no Espírito de Romanos estão prefigurados em Gálatas.

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