Páginas

sábado, 23 de janeiro de 2010

UMA LEITURA CRISTÃ DO ANTIGO TESTAMENTO - 7

UMA LEITURA CRISTÃ DO ANTIGO TESTAMENTO




As festividades religiosas de Israel estavam ligadas às estações do ano agrícola. Eram celebradas na primavera, no começo do verão e no outono. A princípio, iam ao santuário local; do século 7° em diante, tornaram-se festas de peregrinação a Jerusalém. Na época de Jesus, Jerusalém que abrigava 40 mil habitantes passava a 150 mil peregrinos.

As festividades registradas em Levítico 23 são as seguintes:

· Yom Shabbat (Dia do Descanso);
· Pessach (Páscoa);
· Habikurim (Primícias);
· Hag Shavuoth (Semanas, Pentecoste);
· Yom Kippur (Dia do Perdão);
· Hag Sukkoth (Tabernáculos).
E porque todas essas festividades são memoriais, cada uma é cumprimentada com uma bênção especial: "Agradeço-te por nos ter mantido vivos e sãos, permitindo-nos apreciar essa época".


2. Yom Shabbath (Descanso)


A palavra hebraica shabbat é utilizada para uma série de conceitos:
· Para o sétimo dia da semana, o yom shabbat;
· Para a semana inteira, shabbat shanim (Lv 23.5);
· Para o ano sabático, realizado de sete em sete anos (cf. Lv 25.2, 8, 34, 35, 43).
Modernamente, a palavra shabbat é usada para designar "parada, cessação, pausa, repouso, descanso, desistência, interrupção", e, mesmo, "greve". Acrescente-se que a palavra Shabbathai, da mesma raiz, designava o planeta Saturno, cultuado no sétimo dia, o que é atestado em algumas línguas como o inglês "dia de Saturno", Saturday, em holandês, Zaterdag; em afrikaans, Saterdag.

Registra-se na Babilônia a palavra shapattu, o dia do meio do mês (lua cheia), considerado, porém, um dia funesto: médicos não tocavam uma pessoa enferma, sacerdotes não emitiam profecias, reis não comiam carne cozida nem usavam roupa limpa.

É considerado o Yom shabbat como a mais importante celebração judaica. Levando em conta o calendário lunar utilizado liturgicamente pelo judaísmo, começa o dia de repouso na sexta-feira com o surgimento da primeira estrela. Nesse instante, inicia-se a celebração com uma oração de ação de graças nos seguintes termos: "Bendito és Tu, Senhor, nosso Deus, Rei do universo, Que nos santificas com Teus mandamentos e ordens de acender as luzes do shabbat."

O falecido pastor presbiteriano, Dr. Alfred EDERSHEIM, ele mesmo judeu austríaco, reconhece o que ele chama de "intoleráveis regras a respeito do sábado". Diz que só poderão ser compreendidas à luz da Mishah e da Gemara, que compõem a obra de comentários rabínicos intitulada de Talmud. Na verdade, vinte capítulos no Talmud de Jerusalém (Talmud Yerushalmi) e vinte e quatro no Talmud da Babilônia (Talmud Babli) discutem regras absolutamente fúteis no seu entender. Basta dizer que um rabino gastou dois anos e meio estudando o capítulo referente a animais de carga. Discute-se, aliás, o que seja carga, o que se torna um verdadeiro peso. Jesus fala sobre isso quando diz:

"Os escribas e fariseus estão assentados na cadeira de Moisés. Portanto observai e fazei tudo o que vos disserem. Mas não procedais de conformidade com as suas obras, pois dizem e não fazem. Atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem nos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los" (Mt 23.2-4; cf. Lc 11.46).

Um exemplo desse fardo é não se constituir pecado recolher água da chuva diretamente do céu; entanto, se fosse tomada da parede pela qual escorria, seria pecado. A lei judaica proíbe dirigir no shabbat ou acender um fogão. Mas não proíbe mudar um móvel pesado dentro de casa.

Na verdade, o rabino Abraham Chill define trabalho (melakha) proibido como

"O conceito bíblico de melakha se aplica a trabalho que envolva a produção, criação ou transformação de um objeto. Alguém pode passar todo o shabbat abrindo e fechando um livro até cair de cansaço e não violar o shabbat. Por outro lado, o simples acender de um fósforo, só um, é uma profanação do shabbat porque envolve criação."

A Mishnah fala de trinta e nove trabalhos para os quais há uma interdição. Entre eles, arar, ceifar, assar bolo, tingir lã, tecer, dar permanentemente um nó, costurar, abater um animal, levantar ou demolir uma estrutura. São trinta e oito trabalhos proibidos nos quais se dá um ponto final a um serviço. O trigésimo nono proibido é carregar um objeto de um domínio particular a outro (dentro de casa ou da sinagoga, pode). Tudo o que é proibido usar no shabbat é também proibido de ser manejado: moedas, por exemplo.

Era proibido, ainda, acender e apagar candeeiro, cozinhar ovo, escrever duas letras, esfregar as mãos, andar mais que um certo número de passos (cf. At 1.12), e até prestar socorro a alguém que tivesse membros do corpo quebrados, curar, portanto. Era proibida a compra e venda de mercadorias (cf. Am 8.5), proibidas viagens (Is 58.13), chegando a elaborar quanto se podia caminhar no dia de descanso, no shabbat: 2.000 côvados, ou seja, aproximadamente 2.000 passos , O Livro dos Jubileus (1.8-12), literatura extracanônica, menciona que relações conjugais eram proibidas no Yom shabbat..

Contra esse tipo de mentalidade, Jesus Cristo reagiu por ter observado que haviam perdido a dimensão eterna pelas mesquinharias chamadas de religião! E, por essa razão, curou doentes no dia de descanso:

· curou um paralítico no poço de Betesda (Jo 5.1-18; cf. v. 9), razão porque foi duplamente chamado de herege (cf. v. 18);]
· curou uma cego de nascença (Jo 9.1-7, 13,14,16);
· curou um homem de mão atrofiada (Mc 3.1-6; Lc 6.6-11);
· curou uma mulher com terrível problema na coluna (Lc 13.10-17),
· e permitiu, no dia do shabbath, atividades que eram proibidas pela Lei porque Ele é superior à Lei e Senhor da mesma. Era proibido colher trigo para a alimentação, no entanto, permitiu que as espigas fossem colhidas (Mc 2.23-28).

Os grupos mais radicais na observância do shabbat eram basicamente três: a escola do rabino Shammai, a seita dos essênios e os samaritanos. Shammai entendia as proibições e deveres não apenas para os seres humanos e animais, mas também para objetos inanimados. Não se podia começar o tingimento de lã ou linho se não desse tempo de colocar para secar. Os essênios nem ao sanitário iam?!

A outra escola, bem mais liberal, era a do rabino Hillel, que discutia com Shammai se um alfaiate podia ou não segurar uma agulha depois de iniciado o shabbat. Aliás, Hillel, diferentemente de Shammai, excluía as coisas inanimadas das proibições, e dava um "jeitinho" na questão do trabalho, sugerindo que se pagasse um gentio para terminá-lo.

Toda a Escritura valoriza o descanso, pois desde o seu primeiro livro aponta para o descanso de Deus (Gn 2.3), bem como para o livramento do Egito, pois, "Lembra-te de que foste servo na terra do Egito, e que o Senhor teu Deus te tirou dali com mão forte e braço estendido. Pelo que o Senhor teu Deus te ordenou que guardasses o repouso" (Dt 5.15).

Uma leitura cristã do shabbat aponta-nos para o perfeito repouso que é Jesus Cristo, o mesmo que pronunciou as confortadoras palavras:

"Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei [eu vos darei shabbat]. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis shabbat para as vossas almas" (Mt 11.28, 29).

Aliás, a preocupação de Jesus pelo bem-estar e conforto físico dos discípulos é algo enternecedor. Ao se retirar para Nazaré, Jesus envia Seus discípulos às vilas e aldeias do entorno daquela cidade dando-lhes autoridade sobre os demônios, o que efetivamente aconteceu (cf. Mc 6.12, 13). Ao retornarem (cf. vv. 30, 31), cansados porém alegres, relataram as bênçãos da missão designada, pelo que ouviram de Jesus o convite: "Vinde vós, aqui à parte, a um lugar deserto, e repousai um pouco". E a explicação: "Porque havia muitos que iam e vinham, e não tinham tempo para comer". Jesus os chama para um shabbat, uma pausa, um descanso.
É preciso encarar esse assunto em termos de tempo e de eternidade. Fixar-se num dia da semana é perder o senso da eternidade, mesmo porque nós não podemos doutrinar em cima de sombras do calendário (cf. Hb 10.1), o sábado temporal, e fazê-lo é perder a noção de que Jesus Cristo, Ele, sim, é o nosso shabbat, o nosso descanso, como mencionado em Hebreus 4.3: "Porque nós, os que temos crido, é que entramos no descanso, tal como disse: Assim jurei na minha ira: Não entrarão no meu descanso; embora as suas obras estivessem acabadas desde a fundação do mundo".

Percebe-se a importância e dignidade do ser humano, imagem do nosso Deus, semelhança do Criador. Percebe-se com absoluta clareza que a Lei e as suas instituições devem ser vistas à luz da eternidade. Realmente, a Carta aos Hebreus diz que a Lei é a sombra dos bens futuros, razão porque afirmamos que não se pode doutrinar em cima de sombras (cf. Hb 10.1). Portanto, com a Nova Aliança, as figuras e sombras da Antiga Aliança caducaram, e com elas as festividades judaicas agora vislumbradas sob o ponto de vista cristão. Que diferença da alegria, da felicidade, da liberdade de se viver na Nova Aliança! Jesus nos libertou disso quando disse, "O shabbat foi feito por causa do ser humano, e não o ser humano por causa do shabbat " ( Mc 2,27).

No Novo Testamento, as referências ao shabbat estão sempre em conexão aos judeus, tendo à frente o partido dos fariseus, ou em relação ao templo e às sinagogas. Mas com respeito ao Dia do Senhor, o primeiro dia da semana, as referências são sempre em relação a Jesus Cristo, ao Espírito Santo, à igreja e aos discípulos. Recordemos que o fato culminante da vida e da obra de Cristo Jesus é a Ressurreição. Por ela, somos justificados, diz a Palavra de Deus (cf. Rm 4.25), somos regenerados (1Pe 1.3), e alcançamos uma boa consciência para com o Pai (1Pe 3.21). Sem a ressurreição, porém, seríamos uns iludidos, a nossa fé completamente vazia e continuaríamos em nossos pecados; os que morreram em Cristo estariam perdidos, e seríamos os mais infelizes, os mais miseráveis, os mais desgraçados de todos os homens! (1Co 15.17-19) Mas só se a ressurreição não tivesse acontecido!

E essa é aspiração maior, o realizado anseio dos crentes: sentir nos cultos, nas suas próprias reuniões, a presença de Jesus Cristo, nosso Salvador! É o que acontece quando no primeiro dia da semana, no Dia do Senhor, "reunimo-nos aqui para glorificar o rei Jesus", o Qual aponta para um descanso superior que é o livramento total e eterno conforme Hebreus 4.9 em diante.


3. Pessach (Páscoa)


As festividades a que todo Israel deveria comparecer eram três: Pessach, Shavuoth e Sukkoth.
Pessach e a Hag Mazzoth, ou seja, a Páscoa e a Festa dos Pães Asmos, são, rigorosamente falando, celebrações distintas, visto que a primeira é celebrada em 14 do mês de Nisã e a segunda a partir do dia seguinte até o 21. No entanto, elas se fundiram a ponto de serem consideradas uma só tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento conforme se pode verificar em Mateus 26.17; Marcos 14.12 e Lucas 22.1. Pessach é uma festa de cunho pastoril, enquanto Hag Mazzoth é uma celebração agrícola.

A informação sobre o Pessach nos vem de textos litúrgicos, de textos históricos e de documentos extrabíblicos. No primeiro caso, temos o registro do ritual da festividade em Êxodo 12, Números 28.16-25, Ezequiel 45.21-2; os calendários religiosos em Êxodo 23.15; 34. 18, 25; Deuteronômio 16.1-8; Levítico 23.5-8; e, ainda, a história de Números 9.1-14.

Com respeito aos textos históricos, o primeiro Pessach celebrado em Canaã encontra-se em Josué 5.10-12; as celebrações públicas no reinado de Salomão (2Cr 8.13); no tempo de Ezequias em 2Crônicas 30.15; a realizada na época de Josias em 2Reis 23.21-23 (2Cr 35.1-18); a celebração depois do Exílio em Esdras 6.19-22. Em relação aos documentos extrabíblicos, destaque-se um papiro e duas ostracas (pedaços de cerâmica escritos) da colônia judaica de Elefantina no Egito.

A palavra pessach, que tem o significado de "passagem", refere-se à passagem do anjo do Senhor (cf. Ex 12.23, 27) que isentou os lares hebreus da última das pragas lançadas sobre a terra do Egito.

A narrativa menciona o sacrifício de um cordeiro ou cabrito cevado sem defeito, macho de um ano, no dia 14 do mês de abibe ("espigas verdes"cf. Lv 23.15; Ex 13.4) como oferta pelo pecado (cf. Ex 12.2-6). Do Exílio em diante este mês passou a ser chamado nisã, segundo nos diz Neemias 2.1.
Inicialmente, Pessach era uma celebração doméstica. Na época de Jesus passou a ser uma grandiosa peregrinação a Jerusalém (cf. Ex 12; Js 5.10-12; Mc 14.1, 2).

Em relação à Festa dos Pães Asmos ou Sem Fermento, esta iguaria era preparada absolutamente sem fermento, razão porque é chamada de "pão de aflição" (cf. Dt 16.3) por causa da saída apressada do Egito (Ex 12.33ss). Na verdade, produtos de pão continuam sendo proibidos nos oito dias da festividade. Realiza-se uma faxina completa na casa de modo a tirar todo resquício de khametz (fermento). Modernamente, pessoas de alto poder aquisitivo, especialmente nos Estados Unidos e Canadá, preferem se hospedar num hotel ritualmente puro (conhecido em hebraico como kosher) durante a semana para evitar a sobrecarga e estresse trazidos pela intensa faxina doméstica.

O fato é que ao celebrarem esta festividade, no seder, os judeus proclamam que chegou a hora de todos os povos serem livres. O tradicional desejo é que em liberdade seja realizada "No ano que vem em Jerusalém!" (Leshana tovah beYerushalaim!). Hoje, judeus da linha reformada preferem exclamar, "No ano que vem que a humanidade seja livre!"




Ocorre que esse é um desejo que já encontrou cumprimento. Uma leitura evangélica nos ensina que, realmente, fomos libertos do Egito, da escravidão e do faraó. Em Cristo, "nosso pessach", "nossa páscoa" (cf. 1Co 5.7), fomos libertos do mundo, do qual o Egito é a metáfora, fomos remidos do pecado, do qual a escravidão é a figura, e fomos salvos do reino do maligno representado pela pessoa do faraó.

O evento correspondente ao Pessach na Nova Aliança é, portanto a Redenção. Na Antiga Aliança, o sangue de animais cobria os pecados. Este é o significado de kafer, "cobertura". No entanto, na Nova Aliança, o sangue de Jesus Cristo tira os pecados, purifica-nos, como esclarece a exclamação de João, o Batista ("Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo!", João 1.29), e a claríssima Primeira Carta de João ao dizer que "o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado" (1.7).

Como na páscoa judaica, todo fermento deve ser eliminado, visto ser o símbolo de corrupção, hipocrisia, pecado, e Jesus não hesitou em usar esta figura em Mateus 16.6 ("Cuidado, acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus", cf. Mc 8.15; Lc 12.1), bem como Paulo em 1Coríntios 5.7, 8. Uma leitura cristã observa a expressão de nossa comunhão com Cristo que começa coma redenção (João 6. 48, 51) e prossegue em santificação de vida (1Coríntios 5.6-8; Gálatas 5.9).


4. Hag haBikarim (Festa das Primícias)


Levítico 23.9-14 (cf. Dt 16.9-11) faz referência à Festa das Primícias, e menciona que um molho das primeiras espigas da colheita deve ser movido diante do Senhor. No Yom rishon, o primeiro dia da semana, um cordeiro de um ano sem defeito era oferecido em holocausto, ocorrendo, ainda, uma oferta de cereais e uma libação de vinho. As primícias pertenciam ao sacerdote. EDERSHEIM explica que a oferta das primícias, apropriadamente falando, pertencia à classe das contribuições religiosas e para caridade.

É sugestivo verificar que enquanto o povo levava as primícias, Jesus Cristo, primícia dos que dormem na expressão de Paulo, ressuscitou! Paulo faz essa referência em 1Coríntios 15.20, "Mas de fato Cristo ressurgiu dentre os mortos, e foi feito as primícias dos que dormem" (cf. Cl 1.18; Ap 1.5, 6; 14.4), o que significa que o evento correspondente à Hag haBikarim na Nova Aliança é a Ressurreição de Jesus Cristo.

5. Hag Shavuoth (Festa das Semanas ou de Pentecostes)

Considerada uma festividade de grande alegria e agradecimento pelas dádivas divinas nas colheitas, razão porque recebe igualmente o nome de "Festa da Colheita" (Hag haKatsir, cf. Ex 23.16) e "Festa das Primícias do Trigo" (Ex 34.22), seu mais detalhado registro é encontrado em Levítico 23.15-25 (cf. Dt 16.10), ocorrendo sete semanas a partir da Festa das Primícias.

No sétimo sábado, ofereciam-se cereais, dois pães preparados com farinha nova, com fermento (aliás, o único exemplo em que o uso do fermento é ritualmente prescrito), sete cordeiros de um ano sem defeito, os quais passarão a pertencer ao sacerdote (Dt 18.3, 4), um novilho, dois carneiros, e, em holocausto, um bode (oferta pelo pecado) e dois cordeiros de um ano como sacrifício de paz. O verso 22 regula que na colheita, as espigas caídas e os cantos do campo ficarão intocados destinando-se aos carentes e forasteiros.

É considerada como a festa do aniversário da Torah, renovação anual da Berith, a Aliança, a entrega da Lei dada no Sinai (cf. Ex 19.1, 11; 12.6, 12). Os manuscritos do Mar Morto confirmam a antigüidade desta atribuição (cf. 2Cr 15.10-15).

No entanto, segundo TELUSHKIN, na vida judaica esta festividade é considerada de meio luto, sem maiores detalhes sobre a razão deste pensamento, a não ser a referência feita pelo Talmud a uma praga no segundo século que teria morto 24 mil estudantes do rabino Akiva. Os judeus ortodoxos não cortam os cabelos ou celebram casamento durante o período. É feita a leitura do livro de Rute durante a sua celebração.

Uma releitura do ponto de vista cristão, verifica que como Pessach, esta festividade foi eventualmente relacionada com a história da salvação, e o evento que lhe corresponde na Nova Aliança é o derramamento do Espírito Santo em Jerusalém, cinqüenta dias após a ressurreição de Jesus Cristo por ocasião do Dia de Pentecostes (At 2.1; 20.16; 1Co 16.8).


6. Yom Kippur (Dia do Perdão)


O conceito básico desta solenidade é a reconciliação entre Deus e a pessoa humana, e as pessoas entre si. É considerada a maior das festividades judaicas e sua comemoração anual objetiva fazer a purificação dos pecados (cf. Lv 16.16, 30, 33; Nm 29.7-11; Ez 45.18-20).

No Yom Kippur apenas o Kohen haGadol, o sumo-sacerdote, oficiava com um traje especial. O Talmud chama esta data especial sugestiva e reduzidamente de "O Dia".

O relato bíblico menciona que dois bodes idênticos eram escolhidos, de modo que um era oferecido ao Senhor como oferta pelo pecado, e sobre o outro, a culpa de Israel era transferida pela imposição das mãos do sumo-sacerdote e levado ao deserto.

Era o Yom Kippur o único dia em que o sumo-sacerdote entrava no Kodesh haKadoshim, o Lugar Santíssimo , a câmara reservada do Tabernáculo e do Templo (cf. Lv 16.2; Ex 30.1). Levítico 23.27 regula o modo de celebrar: "afligireis as vossas almas", que tem sido interpretado como um dia de grande jejum.

O bode denominado de "emissário" era conduzido para o deserto ("terra solitária, cf. Lv 16.22a) por um homem responsável para fazê-lo (v. 21b). De Jerusalém ao começo do deserto distava aproximadamente 16 km, havendo dez paradas. Em cada uma, ficava uma ou mais pessoas para assistir o encarregado da condução do animal e acompanhá-lo até a parada seguinte.

Ao chegarem ao deserto, o responsável levava sozinho o bode até um precipício, onde o empurrava no abismo, e voltava. Como estava considerado trefah (impuro), ficava na última parada onde passava o resto do dia e a noite.

Sinalizava-se com bandeiras notificando que o bode tinha cumprido sua missão. Este animal recebia o nome de Azazel, conforme Levítico 16.8, palavra traduzida nas Escrituras como (1) "bode emissário", embora haja diversas interpretações.
(2) Idéia apresentada na versão siríaca das Escrituras Hebraicas é que Azazel seria o nome de um demônio do deserto levando em conta que azaz é "ser forte" e el, Deus. Tal opinião leva em conta que desertos, cemitérios, ruínas eram local de habitação de demônios (Is 13.21; 34.14; Mt 12.43; Mc 5.3).
(3) Por redução, Satanás, opinião esposada pelos adventistas.
(4) Sugere-se "a fim de remover" como significado básico sugerido pela raiz árabe azala cuja significação é "remover".
(5) Outra sugestão é significar uma região desolada (cf. Lv 26.22).
(6) E, por fim, o falecido erudito Roland DE VAUX sugere que a palavra faria referência a precipício, despenhadeiro, o lugar para onde o animal era levado.
Nos dias atuais, o Yom Kippur continua vivo. Na véspera, nas sinagogas, canta-se o Kol Nidreh título dado pelas primeiras palavras desta pungente canção e que quer dizer "Todas as promessas", quando se pede que seja o suplicante liberado de todas as promessas feitas e não cumpridas. Desse momento até o culto final, a Nehilah, ou seja, "Conclusão", todos a partir dos treze anos entram em absoluto e obrigatório jejum, que tem início uma hora antes do feriado se iniciar.

São vinte e cinco horas de meditação, exame de consciência, arrependimento e pedido de perdão a Deus pelos pecados e transgressões do ano anterior. Não bebem qualquer líquido ou tomam banho e nada de intimidades conjugais. Não se pode usar sapatos de couro, que é para diminuir o conforto nesse dia de profunda reflexão. Crianças abaixo de nove anos não jejuam; de nove aos onze para as meninas e aos doze para os meninos, recebem as principais refeições. Dos doze anos para as meninas, e dos treze para os meninos em diante o jejum é obrigatório. À tarde, é lido o livro do profeta Jonas.

A tradição vê o Yom Kippur como o dia em que Deus decide o destino de cada ser humano. O povo ora intensamente uma prece que fala do "fechamento das portas do céu", esperando ser admitido na presença de Deus. O toque do shofar, a trombeta de chifre de carneiro encerra as atividades, e, como expressa o rabino Joseph TELUSHKIN, "O povo experimenta uma grande catarse".

Uma leitura cristã evangélica desta festividade considerada pelos judeus como um dos "dias de terror" demonstra com meridiana clareza que tudo era e continua sendo imperfeito, em nada melhorando a condição do cultuante. EDERSHEIM, um judeu convertido como mencionado, chega a dizer "A Lei não faz nada perfeito". Isso significa não ter um mediador perfeito no seu sacerdote, não tem ter uma expiação perfeita no sacrifício , não ter um perdão perfeito como resultado do trabalho conjunto do sacerdote e da oferenda. E, deste modo, a Carta aos Hebreus esclarece em 10.1 que,
A lei, tendo a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas, não pode nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem de ano em ano, aperfeiçoar os que se chegam ao culto".
E também,
"O Espírito Santo mostra-nos assim que, enquanto permanecer de pé o primeiro santuário, o caminho que leva ao verdadeiro santuário ainda não está aberto. O primeiro santuário é apenas uma imagem com referência ao tempo de hoje. Significa que as ofertas e os sacrifícios de animais oferecidos a Deus não são capazes de tornar verdadeiramente perfeitos aqueles que os oferecem" (Hb 9.8, 9).

Não é necessário muito esforço mental para entender que "é impossível que sangue de touros e de bodes tire os pecados" (Hb 10.4). Ou, modernamente, viver na aflição de pedir que o nome seja escrito no Livro da Vida multiplicando a solenidade ano após ano, razão porque lemos com alegria, esperança e fé, "(pois a lei nunca aperfeiçoou coisa alguma), e desta sorte é introduzida uma melhor esperança, pela qual chegamos a Deus" (Hb 7.19).

Verifica-se que o Yom Kippur, o Dia da Expiação, encontra o seu lado concreto no Calvário (Hb 2.17) porque esta solene festa judaica, um dos chamados "dias terríveis" é só uma sombra da tarde de horror no Calvário projetada.


7. Hag Sukkoth (Festa dos Tabernáculos)

"A mais alegre de todas as festas do povo israelita era a Festa dos Tabernáculos", assim se expressa EDERSHEIM. Celebra o fim das colheitas (cf. Ex 23.16). Realmente: as colheitas estavam nos celeiros; os frutos, recolhidos; a terra aguardava as chuvas para novamente ser preparada. Portanto, é tempo de agradecer a Deus.

Hag Sukkoth, festividade eminentemente agrícola (cf. Lv. 23.29), é realizada no dia 15 do mês de Tishri ou Ethanim, o sétimo do calendário hebreu. É também chamada de Festa das Colheitas (Hag haKatsir, cf. Ex 23.16; 34.22); Festa das Cabanas, das Tendas ou dos Tabernáculos (Lv 33.34, 43; Dt 16.13, 16; 31.10; 2Cr 8.13; Ed 3.4); e, simplesmente, A Festa (1Rs 8.2; 2Cr 5.3; 7.8,9).

Comemora a época quando Israel vivia em tendas. Por isso, constroem-se até hoje cabanas como um memorial durante o período de oito dias (Lv 23.43, 44). Na sua celebração, seguindo o padrão expresso em Levítico 23.40, tomam-se "o fruto da árvore formosa (etrog), palmas de palmeira, e ramos de murta e de salgueiro de ribeiras". Etrog é um fruto cítrico, as folhas de palmeiras com aproximadamente três palmos formam o lulav, três são os ramos de murta e dois os de salgueiro.

As ofertas pelo pecado, que eram bodes, eram feitas cada dia por sete dias. As ofertas queimadas igualmente por sete dia do seguinte modo: no primeiro dia, 13 bezerros; no segundo dia, 12 bezerros; no terceiro dia, 11 bezerros decrescendo um animal a cada dia até o sétimo. As ofertas de bebidas ou libações (cf. Nm 15.1-10) eram de aproximadamente 1,½l de vinho para cada cordeiro;
2l de vinho para cada carneiro,
3 l de vinho para cada bezerro.

As ofertas de manjar descritas em Números 29.12ss eram de aproximadamente 3,7l de farinha misturada com 1½l de óleo para cada cordeiro;
7½l de farinha com 6l de óleo para cada carneiro;
10l de farinha com 3l de óleo para cada bezerro.

Ao todo, 70 bezerros, 14 carneiros e 98 cordeiros.
É curioso e sugestivo lembrar que o Templo de Salomão foi inaugurado durante a Festa dos Tabernáculos (1Rs 8.2; 2Cr 5.3).

O olhar cristão para esta festividade da Antiga Aliança revela-nos a bendita realidade de que Deus armou o Seu próprio Tabernáculo entre nós. O Evangelho de João registra que o Deus tabernaculou, "armou Sua tenda", habitou no nosso meio. Traz uma importante lição a aparente coincidência das raízes hebraica e helênica da palavra shekinah, a presença plena da glória de Deus no meio do seu povo, e a palavra skinê que significa "tabernacular" de acordo com João 1.14 (cf. Ap 7.15).

Como as outras festividades, a Festa dos Tabernáculos demonstra um alto significado na Nova Aliança por ser figura e sombra da casa espiritual na qual o Senhor e o Seu Espírito habitam em nós (cf. Hb 3.5, 6).

1   1a   2   3   4   5   6   7   8

Nenhum comentário:

Postar um comentário