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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Por que eu Nasci? - Um comentário Antropológico

Parte VI
Por que eu Nasci? - Um comentário Antropológico

APONTAMENTOS SOBRE O LÓCUO 6 DO LIVRO “DOGMÁTICA CRISTÔ DE CARL E. BRAATEN E ROBERT W. JENSON, SÃO PAULO: SINODAL, 1990 – PP. 324-341

O SER HUMANO

Começaremos este estudo, justificando que foi escolhido o termo “co-criador criado” para articular o que significa a humanidade sob a vontade de Deus. Este termo, segundo o livro aqui comentado, fala de dependência, de poder e autoridade dados por Deus e de liberdade dentro da finitude.

A questão do destino humano aparece-nos como uma compreensão primordial para este estado humano de “co-criador criado”. Comenta-se que Nathan Scott aponta corretamente para a intenção da estória cristã da humanidade: contar-nos quem o ser humano realmente é e lembrarmos que toda a criação e Deus o Criador apóiam os seres humanos em seus esforços para tornar-se mais plenamente o que são criados para ser. A antropologia cristã expõe uma compreensão distinta de quem e do que o ser humano é.

O ser humano é criado com um destino. Assim, o autor do livro, explica que foi utilizado este termo “destino” para incluir as conotações de “vocação” ou “chamamento”, bem como para apontar para um caráter intrínseco que constitui uma dimensão da “natureza” criada do ser humano. Consequentemente, explica-nos o autor, “destino” tem as nuanças de dom, determinismo, propósito e alvo. A primeira tarefa da concepção distintamente cristã do ser humano é tornar claro que o homo sapiens tem um destino, e que se trata de um destino elevado. A Antropologia cristã não se isola de qualquer outra fonte de conhecimento sobre o ser humano – das ciências, da experiência de todas as espécies, literatura ou arte. O que a concepção cristã tem a dizer sobre o ser humano está no contexto do conhecimento recolhido destas outras fontes.

Não obstante, não se pode permitir que conhecimento algum de outras fontes oculte ou enfraqueça a seguinte asserção fundamental da fé cristã: como pessoas criadas por Deus, somos seres cuja origem e destino estão vinculados com este Deus. Tudo que é dito sobre as implicações da doutrina da criação ex nihilo certamente aplica-se aqui: que o ser humano é causado, e não gera a si mesmo, e que é criatura, não criador. E esta verdade comentada no livro Dogmática Cristã, desemboca no fato de que, a menos que percebamos o destino divinamente ordenado do ser humano, deixamos, desde o princípio, de compreender quem e o que o homo sapiens é. Somente o pressuposto do destino elevado confere sentido ao discernimento do pecado e do mal nos seres humanos.

Desta forma, sem o real conhecimento, ou talvez seja melhor colocar, o real reconhecimento de seu estado real, o homem ou a mulher da atualidade está como alguém que é condenado à morte em um julgamento que não compreende porque cometeu um crime absurdo que não reconhece.

O tema através do qual reunimos as várias afirmações da tradição cristã sobre a criatura humana e que expressa o sentido delas é o do co-criador criado. Este tema, como o próprio autor de Dogmática Cristã o descreve, é novo em sua formulação. Formalmente, o destino humano é levar à consumação a posição dada ao ser humano na criação – colocado por Deus o Criador na posição preeminente do ecossistema.

A espécie humana é claramente distinta de todas as outras espécies, mas também está intimamente relacionada ao resto da criação. Esta relação é em parte externa; o homo sapiens depende de todos os outros elementos do ecossistema, assim com a espécie contribui reciprocamente para o mesmo ecossistema. Mas ela é também interna. Os elementos do mundo, convergindo naquela “sopa primordial” da qual surgiram todas as criaturas vivas, são os elementos do ser humano; cada átomo do corpo humano esteve em outro lugar no universo antes que veio a repousar no homo sapiens. Percebe-se com isto, a afirmação de que o homem faz parte do todo do universo, das coisas criadas.

Mas, como exposto na obra aqui apreciada, o homo sapiens é distintivo no tocante a seis características importantes: consciência, autoconsciência, a capacidade de fazer avaliações, a capacidade de tomar decisões com base nestas avaliações, a capacidade de agir livremente de acordo com estas decisões e a capacidade de assumir responsabilidade por tal ação. Tal ação autoconsciente e livre torna-se uma espécie de atividade criadora, um co-criador com Deus. Porém, lembrando-nos dos nossos limites, diz-nos o texto o seguinte: os seres humanos não podem atribuir-se arrogantemente o mérito de serem co-criadores; foram criados co-criadores.

Ser co-criador significa que o homo sapiens toma parte consciente e responsavelmente na formação do mundo e seu desdobramento em direção a sua consumação final sob Deus. O criar de Deus é a norma para o co-criar humano – não no sentido de que o homo sapiens deva igualar sua atividade à de Deus, mas, antes, no sentido de que a atividade humana é perversa se não se qualifica afinal como participação na extensão da vontade primordial de criação de Deus. Expresso desta maneira, o status criado do ser humano é completamente escatológico; isto é, é um desencadeamento, não um dado plenamente desenvolvido que simplesmente tem de ser reiterado e copiado ao longo do tempo. O homem não é um ser já completo em perfeição criativa e criadora, ele estava em fase de desenvolvimento pessoal em Adão, que perdeu o rumo da desenvoltura humana através do pecado, e que em Cristo, o modelo real e já perfeito, encontramos o rumo para o pleno desenvolvimento, porém, com uma melhor visão, pois o nosso modelo, Cristo, é o Homem com perfeição criativa e criadora.

Nos é sugerido, desta maneira, que este caráter de co-criador é o que significa ser “à imagem de Deus”. Ser apto a tomar decisões autoconscientes e autocríticas, agir com base nestas decisões e assumir responsabilidades por elas – estas são as características das quais é composta a imagem de Deus em nós.

Quando os seres humanos ponderam seu status de co-criadores, reconhecem que ele inclui a liberdade de conceber ações e executá-las. Tornando assim, ao meu ver, o ser humano mais responsável, aliás, Deus é Deus responsável por Seus próprios atos, assim, como imitadores de Deus, devemos nos responsabilizar por nossos próprios atos também! Há então a responsabilidade por viver com as consequências da ação, ainda que comprovem ser indesejáveis.

Ser co-criador significa que precisamos continuar a viver com a decisão e exercer nosso caráter de co-criadores responsáveis, que a decisão comprove ser desejável ou indesejável.

Agora, provém disto uma questão também fundamental, como descrito na obra aqui comentada, que é o fato de que tal decisão livre e responsável é limitada. Ao exercer a imago Dei, ao por em prática nosso caráter de co-criadores, esbarramos no fato de nosso ser-criado. Daqui vem a consciência de que, apesar de sermos livres no ato co-criador, temos os limites impostos por sermos criaturas!

Quando ponderamos tais considerações, vimos a saber que nosso pecado é tanto nossa compreensível relutância em aceitar nosso status de co-criadores quanto nossa execução falha de nosso caráter de co-criadores. Este pecado é tanto original quanto atual.

Surge, desta discussão, uma outra problemática, que é a da condição primordial do ser. Na atualidade é quase universalmente sustentado entre os teólogos que as narrativas e conceitos que temos a respeito de Adão e Eva no paraíso são lendas e mitos. A idéia de seres humanos vivendo em um abençoado estágio primordial antes da queda é encarada como especulação poética, não como história. Porém, poesia ou não, estes mitos nos contam muita coisa essencial à antropologia cristã. Só uma criatura de estatura muito grande seria descrita como “caída”. Como diz Tillich: “Simbolicamente falando, é a imagem de Deus no homem que oferece a possibilidade da queda.
Somente aquele que é imagem de Deus tem o poder de separar-se de Deus.”
Toda a riqueza da criação, na terra e no mar, estava pronta, e ninguém estava lá para compartilhar dela. Quando toda esta beleza natural estava formada, então, e só então, era apropriado que o ser


humano entrasse em cena. Falando sobre isto, Gregório de Nissa (século IV) diz: “...não era de se esperar que o governante aparecesse diante dos súditos de seu governo; no entanto, quando seu domínio estava preparado, o próximo passo era que o rei se manifestasse. (...) Por esta razão o homem foi trazido ao mundo por último, depois da criação...”


Não é popular, hoje em dia, falar do ser humano como “coroa da criação”. Mas, partindo dos princípios expostos no capítulo aqui mencionado do livro Dogmática Cristã, a conclusão a ser tirada é de que os seres humanos são dotados de um nobre destino, mas também são investidos de grande responsabilidade, e desta forma, creio poder referir-me ao homem como “coroa da criação”!

A imagem de Deus (imago dei) apresenta uma imagem fundamental do ser humano como ser-com-um-destino. Alguns teólogos até sugeriram que o termo fosse extirpado do vocabulário teológico, tão frustrante é sua interpretação. A exegese de Gênesis é ela mesma o campo de batalha de variadas interpretações da imago dei. Clauss Westermann arrola os seguintes grupos de opiniões existentes na história da interpretação (porém, apoiando a quinta opção):

1) Aqueles que distinguem entre semelhança natural e sobrenatural com Deus;
2) Aqueles que definem a semelhança em capacidades ou aptidões espirituais;
3) Aqueles que interpretam-na como forma externa;
4) Aqueles que discordam incisivamente de 3;
5) Aqueles que interpretam o termo como denotativo de que o ser humano é o correlativo de Deus, alguém que corresponde a Deus;
6) Aqueles que interpretam a imago como o status do ser humano como representante de Deus na terra.

Os exegetas do N.T. muito pouco fizeram a respeito do termo, mas a principal conclusão é de que Cristo é a imagem de Deus (eikon tou theou) e, portanto, a imagem para dentro da qual são formados os seres humanos.
Podemos inferir na história do conceito, como nos é apresentado em Dogmática Cristã, duas categorias, ou dois grupos de interpretações. No primeiro grupo, podemos colocar os apologetas do século II, que identificavam a imago com a liberdade da vontade, a capacidade para a bondade, a responsabilidade moral e a razão, e também, o domínio humano sobre a terra.

O segundo grupo de intérpretes considera que a imagem de Deus se refere ao fato da relação com Deus, de co-responder a Deus, de ser o correlativo de Deus, como diz Westermann. Agostinho é o representante monumental desta posição, pois ele aponta para o caráter trinitário da vida psíquica humana como uma grande analogia (analogia entis) da via triúna de Deus. O ser humano não foi, como os outros animais, “criado segundo a sua espécie”, mas, antes, criado à imagem e semelhança de Deus. Por isso, Deus não disse: “Seja feito o homem”, mas antes: “Façamos o homem”. Também não disse: Segundo sua espécie”, mas segundo “nossa imagem” e “semelhança”.

Lutero, mencionando sobre este assunto, disse que Adão tinha a imagem de Deus em seu ser e que não somente conhecia a Deus e cria que ele era bom, mas que também vivia uma vida que era totalmente piedosa; isto é, não tinha medo da morte ou de qualquer outro perigo e estava contente com o favor de Deus. Nesta forma ela se revela no exemplo de Eva, que fala com a serpente sem medo algum. A serpente é símbolo da morte, e antes do pecado, o ser não teme a morte, mas teme a Deus, porém, depois da queda de Adão todos os homens propagados segundo a natureza nascem com pecado, isto é, sem temor de Deus, sem confiança em Deus e com concupiscência. Temor e confiança em Deus são os critérios da imago dei por sua presença e do pecado por sua ausência. Desta forma, o homem sem a imagem de Deus, caracteriza-se pelo pecado, e o homem que tem, por Cristo, a imagem de Deus, é caracterizado pelo temor e pela confiança em Deus.

Lutero critica Agostinho e outros teólogos antigos porque suas descrições da imagem de Deus fomentam “obras”. Westermann critica boa parte da tradição porque ela fala de atributos ou qualidades da natureza humana como a imago em vez da relação com Deus. E é assim que o dilema sobre a imago dei seguiu-se história afora.
No desenvolvimento destas discussões sobre o homem, surge também uma questão de importância fundamental à antropologia, que é a relação entre espírito e matéria na criatura humana. A constituição do ser humano foi objeto de grande preocupação para a tradição cristã. Gregório de Nissa expressa o pensamento de muitos teólogos antigos ao falar do ser humano como fator intermediário entre o âmbito terreno, animal, e o âmbito espiritual de Deus. Ao que parece, passa-se a ver o homem como um intermediário, dentre a criação, entre Deus e as demais coisas criadas.

Podemos resumir um volumoso corpo de material histórico dizendo que “espírito” (pneuma, ruah) se refere em geral à própria vida, à distinção de “corpo”, enquanto que “alma” (psyche, nefes) se refere a vida assim como ela ocorre em um organismo particular, concreto, sendo este organismo o meio da ação da alma. Todos os corpos humanos possuem espírito, e o espírito manifesta-se dentro da alma do indivíduo.
Falamos de uma visão “tricotômica” ao falarmos de corpo, alma e espírito, enquanto que uma visão “dicotômica” somente conhece corpo e alma. A concepção dicotômica, segundo o livro comentado neste trabalho, tem prevalecido na teologia cristã.
A “preexistência” sustenta que as almas vêm a este mundo a partir de algum material de alma preexistente. E, penso eu, que este é até um dos motivos que me levam a crer mais na “tricotomia” do que na “dicotomia”. Mas, Lutero, por exemplo, já as contestou porque acreditava que a criatura humana é um ser unitário perante Deus.

Em acréscimo a esta consideração teológica, a compreensão contemporânea do ser humano e da estrutura da personalidade humana não permite uma perspectiva dicotômica ou tricotômica, exceto metaforicamente. Requer-se uma perspectiva evolutiva moderna. Espírito ou mente e corpo ou matéria são vistos como parte do mesmo processo, e não como entidades separadas para a modernidade. Em termos fisiológicos, o espírito é uma função do cérebro que não é nem imaterial nem não-material, mas que é matéria na forma que pode tornar-se espírito. Robert Francoeur descreve isto como uma espécie de “monismo evolutivo”.

Para os teólogos na tradição da Reforma, o ser humano é uma criatura una, uma criatura da natureza, criada com uma relação especial com Deus o Criador e com a capacidade de perceber esta relação e de viver uma vida de resposta a Deus.
Mas, desencadeou-se, daqui, um outro fator conflitante, mencionado neste livro Dogmática Cristã, que é a complexidade do homem com a queda e o pecado original (“status corruptionis” – estado de corrupção).

Conforme o mito da queda, a imago dei está parcialmente intacta mas gravemente danificada, de forma que uma restauração se faz necessária. Algumas importantes tradições orientais, tais como as da Igreja siríaca, consideravam o pecado uma causa da queda, não sua consequência. Seguindo por este ensinamento, chegamos a uma resposta impressionante, talvez mais do que impressionante, exótica, que é a conclusão, então, que primeiramente Adão perdeu a imagem de Deus, daí sim, pecou. Tais concepções são estranhas à tradição ocidental e à teologia da Reforma em particular.

O pecado e o mal não devem ser identificados com a humanidade, mesmo após a queda. Para os luteranos, isto é afirmado no primeiro artigo da Fórmula de Concórdia. Para Johann Gerhard, é quando a imago se refere à justiça e santidade que a imagem de Deus é perdida na queda.

Surge, daqui, a necessidade de restauração. Deus, em Jesus Cristo, restaurou a humanidade à reconciliação com seu Criador. A recuperação da dimensão da escatologia na fé cristã, que teve lugar desde 1900, nos lembrou que a restauração da humanidade não é um retorno ao Éden. Pois ao que percebe-se, o qual já foi comentado acima, Adão não era perfeito, estava se desenvolvendo quando foi barrado pelo pecado, enquanto Cristo venceu o pecado e a morte, tornando-se em tudo o modelo perfeito e completo à nossa restauração final.
As contestações à antropologia cristã, comentadas na obra aqui apreciada, são de grande valia para o desenvolvimento deste assunto. A concepção cristã do ser humano é atacada de todos os lados. E, vejo que quando somos atacados, pensamos em nos defender, e assim, surgem as certezas diante das dúvidas.

Uma das contestações mais perversas e potencialmente devastadoras, vem da incapacidade amplamente difundida de aceitar a elevada concepção do destino humano como o expõe a teologia cristã. Dogmática Cristã menciona aqui duas fontes desta contestação: o conhecimento científico emergente e a concepção de que o mal é intrínseco à natureza humana.

Nosso conhecimento emergente de nós próprios desafia nossa capacidade de aceitar-nos como criaturas à imago dei. Pensamos nas descrições de Gregório de Nissa: pureza, liberdade, da paixão, amor, intelecto. Podem os seres humanos olhar hoje para si mesmos e ler a imagem de Deus a partir da lista destes atributos?
Assim, o autor do livro aqui comentado assevera que, dizer, com os luteranos e com Westermann, que uma olhadela introspectiva em nós mesmos nunca revelará atributos da imago, que precisamos, em vez disso olhar para a nossa relação total com Deus enquanto criaturas correspondentes, que dependem de Deus e ainda assim se rebelam contra a dependência – também isto não é de muito auxílio em nosso dilema. Enquanto nos virmos em toda a nossa complexidade servindo a mecanismos imediatos de sobrevivência, em níveis diversos, não será possível ver-nos como criados à imago dei.

Muitos críticos acusaram o cristianismo de uma irresponsabilidade ecológica essencial, quer com respeito ao ecossistema natural e físico, quer com respeito à rede intrapessoal de relações. A antropologia cristã foi acusada de antropocentrismo, de uma preocupação por dominar (às vezes em atitudes destrutivas, irresponsáveis) e de uma compreensão de que nada tem valor além do ser humano.

Porém, como nos é assegurado no livro que cá comentamos, estão em andamento esforços para remodelar certos aspectos da concepção cristã na direção da responsabilidade ecológica em relação ao mundo físico e ao mundo dos seres humanos à nossa volta. De forma alguma devemos separar-nos dos ecossistemas em que vivemos, nos movemos e temos nosso ser. Para muitos cristãos, não é coisa fácil manter a glória de Deus como Criador e, ao mesmo tempo, reconhecer o mérito dos processos imediatos da criação.

Um dos problemas mais lamentáveis na tradição cristã de pensamento é o da sexualidade e das relações entre sexos. Há pouca dúvida de que com demasiada frequência a sexualidade e a relação homem/mulher são descritas de formas que rebaixam o corpo, o elemento físico da vida humana, e a mulher. Gregório de Nissa escreveu que, já que Paulo nos escreveu que em Cristo não há homem nem mulher, a criação original não deve ter incluído diferenciação sexual. Já que o protótipo do ser humano, Cristo, não permitiu a sexualidade, a diferenciação sexual deve ser subsequente à queda, juntamente com a multiplicação sexual. Gregório ainda diz que a sexualidade existia no Éden, mas era governada pela vontade, não pelo desejo ou pela paixão. O desejo sexual no casamento não era pecado, mas era o transmissor do pecado. Martin Chemnitz parafraseia Agostinho na seguinte passagem e aceita as idéias de Agostinho como normativas: “No matrimônio há duas coisas que são boas e de ordenação e de instituição divinas, mas há também um desejo no casamento sem o qual não há multiplicação, e por causa deste desejo as crianças nascem em pecado.” A partir desta idéia, o pecado original parece ser passado de pessoa a pessoa no ato de desejo sexual. Aqui eu gostaria de fazer uma pergunta aos “sacerdotes” romanos: “se, apesar de conseguir-se viver no celibato, não se consegue extinguir o desejo, como dizer que um padre, ou até mesmo o papa é melhor do que outro homem qualquer?” desta maneira, os problemas que teve nossa tradição ao interpretar as relações homens/mulheres são bem conhecidos.

Enfim, este capítulo do livro Dogmática Cristã termina, dizendo seu autor que, como sugeriu o exame em seu livro, o ser humano foi criado material e este material desenvolveu o espírito. Denegrir o terreno é enfraquecer os fundamentos materiais do espírito. E ele ainda reconhece que esta percepção ainda precisa ser incorporada de uma forma lúcida, que possa capacitar a doutrina cristã a conceber a unidade espírito-matéria da criação.

“Se o homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável”
(Sêneca, filósofo latino, 4 a.C. – 65 d.C.)

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