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sábado, 20 de fevereiro de 2010

III - O VERBO E O PÚLPITO (a)

Parte III
O VERBO E O PÚLPITO

o pregador e o seu auditório numa abordagem psicanalítica


A Natureza da Psicanálise e a Natureza da Pregação



Para se entender a Psicanálise, é preciso, antes de tudo, torná-la distinta de duas disciplinas com as quais freqüentemente é confundida.


A Natureza da Psicanálise


Quando se emprega o termo Psicanálise, a referência é "à descrição teórica da mente humana e ao sistema de psicoterapia a ela associado desenvolvido por Sigmund Freud em Viena", ensina KLINE (1). Utiliza-se a mesma designação para descrever sistemas semelhantes derivados da interpretação freudiana, como os de Adler, Jung, Fereczi, Reich, Klein, e outros tantos.

A Psiquiatria, por outro lado, é um ramo da Medicina dedicado ao tratamento das doenças mentais. Observe-se que a Psicanálise busca o alívio destes distúrbios procurando revelar os fatores que os determinam, podendo ser, até, técnica da própria Psiquiatria, ao passo que, onde a Psicanálise não encontrar reconhecimento, a Psiquiatria pode não incluí-la.

O terceiro termo é Psicologia, que é aplicado à ciência do comportamento. Existe, aliás, uma Psicologia Clínica que é essencial e basicamente psiquiátrica. 

Visto isso, verifica-se que a Psicanálise nasceu com um propósito de base terapêutica, e tem sido considerada, ao longo desses cem anos (2), como "o mais moderno e eficiente - embora longo e dispendioso - método de tratamento dos desequilíbrios mentais" (3). Gastão Pereira da SILVA a denomina de "terapêutica da sinceridade".(4) O objetivo é "abrir o Inconsciente" do analisando, já que o Inconsciente é a razão da Psicanálise. O psicanalista utiliza basicamente o que é externado pela palavra, seja a narrativa de memórias, o sonho, as parapraxias (atos falhos ou lapsus linguae), os chistes (gracejos) e, mesmo, o silêncio como resistência e modo de comunicação.(5)


A Natureza da Pregação


MORAES, num artigo de título altamente sugestivo, aponta para a "Cumplicidade na Pregação", quando esclarece que 

"tanto mais o pregador conhece e vive o conteúdo do seu sermão, tanto mais identificação há entre ele e a mensagem, tanto mais é possível ter ouvintes interessados e atentos" (6)

Esse interesse e atenção do ouvinte vem andar paralelamente ao conceito freudiano de Transferência, ponto capital em Psicanálise. No tratamento psicanalítico, a Transferência é uma ocorrência importantíssima, visto que todo o curso da análise dela depende. 

Poderemos conceituá-la como a passagem dos afetos (7) do paciente para a pessoa do terapeuta ou analista. A Transferência não é uma conquista amorosa, embora haja um processo de "sedução" (no bom sentido, naturalmente), Não há, contudo, propósitos sexuais, mas de simpatia, ou "cumplicidade" para usar a expressão de MORAES. (8) 

O que sucede no consultório e divã do psicanalista vai suceder no santuário e

púlpito quando este exerce um papel de "sedução" e se estabelece uma Transferência nos mesmos ou quase nos mesmos moldes da que acontece em psicoterapia. O livro de Ezequiel registra um como processo de Transferência dos filhos de Israel para com o excelente pregador que era esse profeta:

"Quanto a ti, ó filho do homem, os filhos do teu povo... vêm a ti, como o povo costuma vir, e se asentam diante de ti como meu povo... Deveras, tu és para eles como quem canta canções de amor, que tem voz suave, e que tange bem..." (9) 

Na realidade, MORAES apresenta características da cumplicidade na Pregação que podem ser as da Psicanálise, quando ele ensina que:

A cumplicidade é um recurso necessário ao momento atual, sendo que o mesmo pode ser dito da Psicanálise. 
A cumplicidade na pregação começa a acontecer antes mesmo da entrega da mensagem. Na prática psicanalítica, a Transferência leva o paciente a antegozar o momento da sessão de análise. 
A cumplicidade na pregação exige do pregador um conhecimento do povo, seus problemas e anseios, o mesmo podendo ser afirmado do psicanalista que deve ser uma pessoa atualizada com o mundo e razoavelmente entendida em todas as áreas para poder conduzir a conversa com o seu paciente. 
A cumplicidade deve estar presente na introdução do sermão. E assim ocorre quando do início da sessão de terapia. 
A cumplicidade na pregação requer que a mensagem seja pregada com equilíbrio, do mesmo modo como o terapeuta conduzirá a sessão. 
A cumplicidade na pregação é uma realidade quando o povo tem a oportunidade de participar. Não havendo Resistência (outro termo freudiano), o paciente participa bem, saindo plenamente aliviado da sessão de terapia, como abençoado do Culto pela pregação. 
O Dr. Wayne OATES, autor e co-autor de mais de cinqüenta livros na área de Cuidado Pastoral (10), menciona em seu aclamado The Christian Pastor a questão do Ensino Pastoral, o Ministério da Pregação e o Cuidado Pastoral.(11) Elaborando este tema, diz o mencionado professor do Seminário Batista de Louisville, que o relacionamento pregação-pastoral propõe um paradoxo na abordagem que o pastor usa para ir ao encontro da vida do seu povo em termos de alvos, ideais, objetivos e propósitos para viver no Reino de Deus. Aborda, ainda, que o bom pregador depende, tanto quanto o bom pastor, de algumas leis da personalidade, para a sua eficiência. Menciona, também, o estabelecimento de um Rapport, termo usado em certas áreas como Transferência o é na Psicanálise; no entanto, acrescenta OATES, vai levar tempo e um relaxamento paciente de suspeitas e defesas de todo tipo. (12)

É natureza da Pregação, portanto, suprir as necessidades espirituais do povo de Deus através de uma pessoa idônea que comunique oralmente a mensagem divina extraída da Bíblia Sagrada com o poder e unção do Espírito Santo. Depreende-se que, por ser um recurso divinamente inspirado, a pregação assume as alturas de uma relação de ajuda.


VOCABULÁRIO DA PSICANÁLISE 


Sem dúvida, expressões como consciente, inconsciente, ego, superego, mecanismo de defesa, repressão, regressão, projeção, ato falho, libido, fase oral, fase anal, fase fálico-genital, complexo de Édipo são largamente utilizadas pelo povo, apesar de o serem sem qualquer conceituação psicanalítica. São, no entanto, termos da Psicanálise freudiana. Torna-se imperativo entendê-las para uma abordagem psicanalítica da Pregação cristã.


Inconsciente e Cia. 


Temos a chamada Teoria Topográfica, a qual trata, como diz o nome, da topografia do aparelho psíquico, que se divide em Inconsciente, Pré-consciente e Consciente. Filósofos, psicólogos e, naturalmente, psicanalistas admitem a existência de um Inconsciente. Thomas LIPPS afirmou que "o inconsciente deve ser considerado a base universal da vida psíquica". (13) Outrossim, MALEBRANCHE deduzia ser o Inconsciente originário de numerosas representações da impossibilidade da simultaneidade da apercepção. (14) E para Edward VON HARTMANN, os fenômenos inconscientes não estão submissos a uma regra da experiência, pois são sempre o "eterno inconsciente", de existência isolada, com propriedades transcendentes, e não passíveis de comprovação experimental.(15

Para o Inconsciente vão, por assim dizer, as idéias censuradas ou recalcadas. Gastão Pereira da SILVA usa a figura metafórica de um "presídio" ou "enxovia" na qual se acumulam as "más tendências psíquicas" (16). Esse recalque que vai para o Inconsciente pode ser um desejo, um sentimento ou ódio, de qualquer maneira, algo inacessível à pessoa. A principal linguagem do Inconsciente é a dos sonhos, dos atos falhos e a dos chistes, já o destacamos. "Abrir o Inconsciente", repetimos, é o propósito da Psicanálise.

O Pré-consciente, por sua vez, arquiva as idéias selecionadas que estão ao alcance 

do Consciente, que é usado no dia-a-dia, pois qualquer sensação que possa ser descrita é consciente. 


Ego, Superego e Id


A denominada Teoria Estrutural destaca os três mecanismos da Personalidade: o Id, o Superego e o Ego. O Id repousa inteiramente no Inconsciente, sendo que sua energia está quase totalmente à disposição dos instintos básicos que são o Eros (instinto de vida, do bem, tudo o que é positivo, bom, justo, animado e animador) e o Tanatos instinto de morte, do mal, de negativo, injusto, e rebaixador). 

O Superego é um sistema de monitoramento e fonte de determinações morais e comportamentais, ou, como coloca HURDING, "uma voz 'interior paterna ou materna'"(17). 

O Ego, por seu lado, tem por objetivo maior a "autopreservação do organismo", e como função principal a coordenação de funções e impulsos internos, bem como fazer com que os mesmos se expressem no mundo exterior sem conflitos.

Pulsão 

É um conceito-limite entre o psíquico e o somático. (18) Há quem use a palavra Instinto em lugar de Pulsão, embora Freud tenha usado Instinto para caracterizar um comportamento animal preformador, hereditário e característico de uma espécie. 

A Pulsão é um processo dinâmico que consiste em um impulso cuja fonte reside numa excitação corporal localizada. A fonte da pulsão, assim como sua meta, está no lado somático.

O desenvolvimento progressivo da teoria das pulsões deve ser dividido em três etapas:

Primeira etapa: caracteriza-se por um antagonismo entre a pulsão sexual e a pulsão de autoconservação. 
Segunda etapa. Nesta dá-se o surgimento do Narcisismo. 
Terceira etapa, que se constitui pela oposição entre a pulsão de vida (Eros) e a pulsão de morte (Tanatos). 
A Pulsão é distanciada do Instinto por ter uma característica própria: o ser sempre parcial. Não pode ser totalizada, nem domesticada, e não precisa de coisa alguma para se manifestar.

Transferência

Referindo-se a este tema, Karen HORNEY afirma ser, na sua opinião, "a mais importante descoberta de Freud", pelo fato de que é possível a utilização terapêutica das reações emocionais do paciente em relação ao analista e à situação analítica. Este assunto já foi objeto de tratamento mais acima.

Resistência

Em termos clínicos, Resistência é tudo o que interrompe o trabalho psicanalítico. Freud ensina que "a resistência acompanha o trabalho psicanalítico em todos os seus passos" (19) FREITAS destaca de modo simples que a verdadeira Resistência é o medo ou vergonha de pedir ajuda e reconhecer as próprias limitações, bem como admitir os próprios problemas e a dificuldade de pedir ajuda. (20)

Ansiedade

A ansiedade é produzida pela competição existente em nossa sociedade, a qual se transfere para dentro de si. Sempre foi assim, e isso se torna agravado pela perda do Outro, pela perda de si mesmo e pela incapacidade frente ao novo. Essa ansiedade é chamada por HORNEY de "neurótica".(21) Impulsos hostis são a principal fonte de onde nasce a ansiedade neurótica


O VOCABULÁRIO DA PREGAÇÃO 


Há, igualmente, um vocabulário utilizado pelo pregador e que tem como fonte a Teologia cristã e a Doutrina bíblica. São ricas e plenas de significado as palavras que o constituem e que são empregadas na comunicação do evangelho. Os conceitos mais destacados são Graça, Fé, Salvação, Justifica0ção, Santificação, Glorificação.

Graça
Efésios 2.8 declara que "Pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus". Graça é o amor de Deus que por força do pecado é imerecido pelo ser humano. É a mais expressiva das palavras do vocabulário da pregação.

A fé é instrumental, básica e essencial, pois sem ela "é impossível agradar a Deus", como ensina Hebreus 6.11. A fé nos conduz à justificação, outro excelente vocábulo da fé cristã. (22)

Salvação
A obra de restauração do ser humano pela graça divina mediante a fé pessoal é chamada de salvação, e compreende três fases: a justificação, a santificação e a glorificação. A primeira ocorre num momento crítico do kairos, ponto de retorno de caminhada, e se estende na busca da semelhança a Jesus Cristo naquilo que é denominado santificação. A glorificação, ápice da obra salvadora, ocorre tão-sómente na Glória Eterna.

Paz
O resultado de toda a obra de salvação é trazer qualidade de vida ao convertido. Paz é a conseqüência da justificação.


NEUROSE E SEXUALIDADE NA IGREJA 


Alguém jocosamente definiu o Neurótico como uma pessoa que constrói castelos no ar, o Psicótico como quem mora nele, e o Psicanalista como sendo aquele que cobra o aluguel. O fato é que a igreja é formada por uma quantidade de pessoas que podem ser classificadas como neuróticas, visto que "neurose é uma reação que afeta os aspectos de uma pessoa".(23) Difere do Psicótico porque a psicose implica na fragmentação de toda a personalidade. 

O fato é a que Neurose resulta de um mecanismo de defesa: os impulsos do Id não conseguem ser devidamente sublimados e isso faz com que as repressões do Superego ganhem maior expressão, surgindo deslocamentos doentios através dos Mecanismos de Defesa como a Compensação, Projeção, Racionalização, Conversão. (24)

Os Neuróticos são pessoas que vivem com esses chamados Sintomas Neuróticos no seu dia a dia, sem qualquer alteração nas atividades normais. ELLIS esclarece o assunto com palavras simples: "Basicamente, é o indivíduo que age, com freqüência, de maneira ilógica, irracional, imprópria e infantil" (25). Certa gravidade surgirá quando o estado emocional se tornar por demais intenso e os sintomas se evidenciarem com muita clareza. Esses sintomas são principalmente a angústia, a ansiedade e as fobias. Mas há sempre a possibilidade de recuperação.

Mas não é fácil reconhecer um Neurótico que não deve ser confundido com o Infeliz. O Neurótico é quem por defeitos herdados ou adquiridos em idade precoce, não sabe pensar com clareza, agir como pessoa adulta e fazer as coisas de modo eficiente. Muitos neuróticos têm grande talento, inteligência elevada e boa aparência, no entanto, a sua condição psíquica atrapalha a capacidade potencial e as realizações efetivas. 

Estes sofredores estão também na igreja portando dúvidas, indecisão, conflito, temor, ansiedade, sentimentos de inadequação, de culpa e autocensura, supersensibilidade e excesso de desconfiança, hostilidade, ressentimento, ineficiência, auto-engano, ausência de realismo, rigidez, timidez, afastamento, comportamento anti-social, insensatez, esquisitice, infelicidade, depressão, incapacidade de amar, egocentrismo, tensão, incapacidade de repousar, tendências obsessivas, inércia, falta de orientação, trabalho compulsivo, excesso de ambição, irresponsabilidade, fuga e autopunição, desejosos de uma libertação, de uma catarse, de uma ministração que lhes virá não somente de uma entrevista individual, de um trabalho de Psicoterapia de Grupo ou, ainda, do púlpito que transformará todo o Culto num grande espaço de Cuidado Pastoral, numa imensa relação de ajuda.(26) 

O que faz a Neurose é a Repressão, a luta travada no interior do indivíduo, numa repetição da exclamação de Paulo, o apóstolo, que diz: "não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço" (27). Essa tremenda Repressão ocorre geralmente em pessoas escravizadas a formas rígidas de educação e de moral, submissas que são a um implacável Superego e que vêem, quantas vezes, pecado e delito em atos que seriam considerados puros e normais por outras pessoas. Com a passagem do tempo, os afetos da psiquê fazem surgir enfermidades de natureza psicogênica, vestígios de sentimentos de culpa, e essas neuroses se mascaram e desnorteiam o indivíduo.


PSICOPATOLOGIA E PROBLEMAS RELIGIOSOS 


Einstein afirmou certa ocasião que "A ciência sem religião é manca; a religião sem ciência é cega"(28) É um modo de dizer que não se pode prescindir de ambas as realidades; um modo de afirmar a verdade de ambas e como mutuamente podem se ajudar. Para o pastor/pregador, o conhecimento de si mesmo pela auto-análise e do aparato psíquico do seu rebanho pela análise de seu comportamento, suas angústias e necessidades é o mais poderoso instrumento para repassar a mensagem de que a esperança de cura existe: é só trabalhar com o kairos, o tempo de Deus, num labor paciente, tranqüilo, organizado através da terapêutica da palavra, do púlpito com mensagem preparada e ungida nos ditames de Jeremias 3.15, "Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência".

Há, entretanto, certa qualidade de religião pessoal que pode ser classificada como enferma. Também estes estão nas igrejas. É a pessoa que, fazendo uma leitura ultralinear da Escritura Sagrada, transforma sua vida, a de familiares e a de outras pessoas num fardo tão pesado que quase não podem transportar. OATES no seu When Religion Gets Sick afirma que quando a religião fica enferma, prejudica de maneira total as funções básicas da vida.(29) Isso quer dizer que a disfunção é um critério para medir a enfermidade. Por exemplo, normal é a prática do jejum; recusar-se a se alimentar por ter medo do castigo de Deus, já é Neurose conduzindo a uma religião enferma.

Há psicopatologias que conduzem a uma religião doente. A idolatria, em todas as suas formas e a superstição são exemplos de religião enferma; a religião que não ensina a perdoar e a olhar com fé e esperança o futuro e os dias maus; a religião da amargura, do ódio e da perseguição está seriamente doente. Uma abordagem psicanalítica da pregação e do pregador levará em conta esses defeitos na fé. Na verdade, se a fé for do tamanho da menor semente tem esperança; mas se a proclamada fé tiver um lado estragado, uma "banda podre" para usar expressão popular bem atual, o remédio é trabalhar o Id, o Superego e o Ego do seu portador e arrumar seu Inconsciente de tal maneira que as manifestações do Superego como em Colossenses 2.20s ("por que vos sujeitais ainda a ordenanças, como se vivêsseis no mundo, como : não toques, não proves, não manuseies?") sejam substituídas por outros sentimentos como os estimulados por Paulo em Filipenses 4.8, que ensina, 

"tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai". 

Este é um excelente roteiro para uma abertura do Inconsciente ou, se preferirem, para a solidez da consciência cristã. 


PSICOSSOMÁTICA E PREGAÇÃO 


Não podemos esquecer que o ser humano é um todo harmônico. Tanto a visão hebraica do 'adam (o ser humano) como Deus criou, quanto a Teoria Geral dos Sistemas tão bem conceituada por VON BERTALANFFY, são concordes em afirmar a unidade essencial da pessoa humana. Sempre ocorreu haver pessoas enfermas que sem apresentar lesões em órgãos do corpo, sofriam dos mesmos. Hoje essas pessoas são chamadas Neuróticas e tratadas de acordo, quando no passado a própria Medicina caminhava às cegas no tocante ao psiquismo humano. 

A importância à psiquê passou a ser dada com os estudos de Freud e seus discípulos. A própria Psicanálise nasceu do trabalho desenvolvido por Freud a partir de um caso de Histeria, que influenciou a cética Medicina, que passou a dar maior importância ao sistema psíquico, anteriormente ignorado.

O surgimento da Medicina Psicossomática tirou os excessos tanto dos psicanalistas quanto dos médicos e colocou as coisas nos lugares adequados. Passou-se a compreender a interação corpo-mente. O psiquiatra MÁS DE AYALA fez uma equilibrada consideração quando afirmou que 

"Em todas as épocas, havia-se observado as influências que as emoções agudas exercem sobre as funções do corpo. A cada situação emocional - alegria, pena, vergonha, ira - acompanha uma síndrome psicossomática, que tem lugar no ritmo cardíaco, na respiração, na irrigação sangüínea, nas secreções, no sistema muscular, etc. Não obstante isso ser velho como o mundo, a Medicina não os levava em conta, pois essas trocas psicomotoras pertencem à vida normal e ela só estudava os doentes no hospital. Do mesmo modo como a Fisiologia acadêmica se fez sobre rãs descerebradas e cachorros narcotizados, o que levou Letemendi a dizer: à medicina humana falta homem e sobra rã".(30)

Ao ocorrer um distúrbio somático, como o mau funcionamento de algum órgão, víscera ou glândula, o sistema psíquico recebe uma comunicação e inicia a manfestação de sintomas estranhos, muitas vezes diagnosticados como Neuroses quando são apenas descontrole orgânico. O contrário também ocorre: um distúrbio psíquico (não mental), mesmo momentâneo, transparece na forma de manifestações de colite, prisão de ventre, hemorróidas, constantes azias, hipertensão (ou hipotensão), taquicardia, má circulação nas mãos ou nos pés, dores musculares, alergias, urticárias, acne, sudorese excessiva, asma, bronquite crônica ou alérgica, rinite e laringite alérgicas, apnéia, diabetes, impotência, anorgasmia feminina, enurese, psoríase, vitiligo e tantas outras. Mulheres mal-amadas desenvolvem dores na coluna e dores de cabeça recorrentes; empregos inadequados ou mal recompensados trazem úlcera gástrica e enxaquecas. Os exemplos são inúmeros. A gravidez imaginária é um típico caso de psicossomatismo. Abortos ocorrem por problemas de ordem emocional, sejam eles medos, desgosto ou tensão nervosa. É um caso que a Psicanálise chama de Conversão. 

E esse povo está tanto nos consultórios dos psicanalistas quanto nos santuários para ouvir a ministração do púlpito, o qual, em havendo a inteligência mencionada em Jeremias 3.15, transformará a igreja e a sua mensagem numa enorme comunidade terapêutica. Não era sem motivo que Jesus Cristo dizia ao suplicante que lhe pedia a cura física, "Filho, tem bom ânimo; os teus pecados estão perdoados", ou, ainda, "Tem bom ânimo filha, a tua fé te salvou" (31) Estes são apenas dois exemplos do divino interesse de Jesus pelo homem total, que vive angustiado, sentindo-se culpado e necessitado de perdão.

Angústia 
Uma jovem que sofria de Angústia, após consulta a um ginecologista, descobriu que portava um distúrbio nos ovários. Tratada, a Angústia desapareceu. A tireóide, quando funciona mal, é responsável por alterações de humor no indivíduo. Muita gente considerada fria, impulsiva, alienada ou angustiada porta distúrbios na sua tireóide.

Para Freud, a Angústia define-se como sentimentos de medo e desamparo em relação a uma tensão de libido recalcada, uma expressão de libido reprimida. (32) MASSERMANN, citado por TALLAFERRO (33), propôs a seguinte conceituação "O afeto desagradável que acompanha uma tensão instintiva não satisfeita. É um sentimento difuso de mal-estar e apreensão que se reflete em distúrbios visceromotores e modificações da tensão muscular". GERKIN, falando das experiências de crise na vida hodierna e sua ministração pastoral, aborda o conceito de Angústia fazendo-a referir-se a uma dor aguda e profunda, sofrimento e aflição. (34)

Vezes tantas, a Angústia aparece ao mesmo tempo que palpitações, transpiração, diarréia e respiração ofegante, fenômenos fisiológicos que podem surgir com ou sem a consciência da Angústia. Consiste este sentimento em uma sensação de desamparo em relação ao perigo. O perigo pode ser externo ou interno: o temor de uma enchente, da viagem numa estrada reconhecidamente perigosa, ou a fraqueza, covardia ou falta de iniciativa. Por essa razão, a Angústia é considerada um dos principais problemas da Neurose, e pode originar-se tanto na ordem psíquica quanto na somática ou em ambas ao mesmo tempo.

Traumas de infância, medo de perdas, de ser abandonada, de não ser amada, temor da morte trazem Angústia, e esse povo quer direção segura do púlpito e orientação firme da Palavra de Deus, a qual coloca nos lábios de Jó expressões como, "falarei da angústia do meu espírito, queixar-me-ei na amargura da minha alma" (35), e na boca de Davi, "... consideraste a minha aflição, e conheceste as angústias da minha alma" (36).

Depressão 
OATES ensina haver diferentes níveis de relacionamento na atividade do Cuidado Pastoral. É aí que psicanalista e pastor seguem rotas diferentes. É nos diferentes níveis de relacionamento que o ministro de Deus se torna amigo pessoal, vizinho, pastor-pregador, pastor-conselheiro e companheiro de outras atividades. Dependendo da situação em vista ou da emergência criada, o pastor deve saber o que fazer quando chamado a intervir. Isso vale igualmente no púlpito. Salienta, ainda, cinco níveis de Psicoterapia Pastoral, que são: o da Amizade, o do Conforto, o da Confissão, o do Ensino, o do Aconselhamento e Psicoterapia.

Pessoas em Depressão enquadram-se no nível do conforto. Há uma ligação muito forte entre a Depressão e a Melancolia, visto que em ambas o paciente se submete a incontáveis auto-reprovações: sente-se indigno, impõe-se punições, e é como se uma força que tem a finalidade de destruí-lo se desenvolvesse. Rejeita a alimentação, passa o tempo a dormir, não cuida de si e não se importa com os outros.. É um quadro semelhante ao do luto. (37)

Em muitas dessas pessoas, as razões para esta Depressão permanecem ignoradas no Inconsciente ou Pré-consciente, e as fazem precisar de um ministério de conforto que o púlpito deve trazer. É preciso ressaltar que a possibilidade de suicídio entre tais pessoas é altíssima, e que elas estão no nosso meio também . OATES, que é otimista nestes casos, afirma que a dor severa da depressão pode ser curada (38). Uma Terapia Breve, mesmo através da pregação, deve ter como primeiríssimo passo trabalhar a baixa auto-estima, seguindo-se a restauração da confiança pelas forças do Ego, o que o leigo chama de "massagear o ego", e a Bíblia destaca o "amar o próximo como a si mesmo" (39). O terceiro passo será a inversão da auto-agressão, seguido pelo estabelecimento de uma ligação da compreensão dos aspectos dinâmicos com a situação que precipitou a Depressão e as situações genéticas anteriores. 

O pregador há, ainda, de oferecer apoio através da disponibilidade expressa (se tem treinamento adequado para lidar com a situação) ou fazer referência a um profissional da área de saúde mental. O pastor deve estar alerta para o fato de que a tentativa ou ameaça de suicídio é um pedido de socorro. É evidente que o pastor/pregador tem ao seu dispor recursos alheios ao tratamento psicanalítico: a atuação do Espírito Santo e o poder da oração. (40)

Sentimento de Culpa 
Para muitos psicanalistas e psicólogos, a idéia de Culpa é a causa de inúmeras perturbações psíquicas. No entanto, a realidade verificada é que estes sentimentos são tão universais quanto o medo, a fome e o amor.

Para FREUD, os Sentimentos de Culpa são o resultado de pressões sociais. Nascem na mente da criança quando os pais a castigam, e não são outra coisas senão o medo de perder o amor deles. É conseqüência da construção e do reforço do Superego. JUNG, por sua vez, afirma ser a recusa da aceitação plena de si mesmo. DE ODIER distingue entre "culpa funcional" e "culpa de valores", sendo a primeira a conseqüência de uma sugestão social, medo de tabus ou de perder o amor das outras pessoas. A "culpa de valores" é a consciência genuína de que se transgrediu uma norma autêntica; é o juízo livre que o ser humano faz de si próprio sob uma convicção moral (41). Martin BUBER, o pensador judeu, expõe a "culpa genuína" e a "culpa neurótica" à qual chama também de "irreal", e para quem a culpa genuína sempre gira em torno de alguma violação das relações humanas, constituindo uma ruptura na relação Eu-Tu.

No conceito bíblico, a Culpa não pode ser separada do pecado: é desacato à autoridade de Deus, e nasce da transgressão de qualquer dos mandamentos revelados na Sua Palavra como bem o declara 1João 3.4: "Qualquer que comete pecado, também comete iniqüidade; porque o pecado é iniqüidade".

A estas pessoas, o púlpito pode ministrar levando-as à Confissão, Reparação da falta cometida logo que possível e Renúncia do pecado. O púlpito que ministra ao culpado lhe dirá como Jesus "Nem eu te condeno. Vai, e não peques mais". (42)


CONCLUSÃO: O RESULTADO 


A Pregação tem seu lado terapêutico como acima exposto. E o objetivo do púlpito evangélico é levar o crente em Jesus Cristo a crescer. Crescer "na graça e no conhecimento de Jesus Cristo", aperfeiçoá-lo para o desempenho do ministério do seu ministério, e levá-lo "à medida da estatura da plenitude de Cristo"; conduzindo-o à abundância de vida libertando-o de suas mazelas, afetos e complexos. (43)

Esta relação de ajuda mantida pelo púlpito e ensino aumentará o conhecimento que cada um tem de si mesmo, levará o ouvinte/ovelha à auto-aceitação como um ato de maturidade, leva-lo-á a uma capacidade de estabelecer melhores relacionamentos com Deus, com os outros e com si mesmo, terá a confiança reforçada, liberdade de amar e alegria de viver porque tudo isso é o que a Psicanálise realiza e com muito mais propriedade a ministração cristã através da Pregação.


FONTES PRIMÁRIAS


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BOSCH, Magda et alii (Orgs.) Freud e a Psicanálise. Rio, Salvat, 1979. Trad. M. E. V. da Silva e I. Garcia. 
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ELLENS, J. Harold. Graça de Deus e Saúde Humana. São Leopoldo, Sinodal, 1982. Trad. E. R. S. De C. Hoersting. 

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FREITAS, Luiz Carlos Teixeira de. Por que Fazer Terapia? SP, Ágora, 1985 
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GERKIN, Charles V. Crisis Experience In Modern Life - Theory and Theology in Pastoral Care. 2a impr. Nashville, Abingdon, 1980. 

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SMALL, Leonard. As Psicoterapias Breves. Rio, Imago, 1974. Trad. S. R. P. Alves. 
TALLAFERRO, A. Curso Básico de Psicanálise. 2ª ed. SP, Martins Fontes, 1996. Trad. A. Cabral. 

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WEISMANN, Karl. Psicanálise. Rio, Cultura Médica, 1976. 

WILLIMON, William H. Worship as Pastoral Care. 3ª impr. Nashville, Abingdon, 1982. 

ZILBOORG, Gregory. Psicanálise e Religião. Petrópolis, Vozes, 1969. Trad. S. R. Gisder. 

FONTES SECUNDÁRIAS


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CARACUSHANSKY, Sophia, Rozzanna. A Terapia Mais Breve Possível - Avanços em Práticas Psicanalíticas. SP, Summus, 1990. 

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DAVIS, Henry Grady. Design for Preaching. 3a ed. Philadelphia, Muhlenberg, 1958. 

LEÓN, Jorge A. La Comunicación del Evangelio en el Mundo Actual. Buenos Aires-Miami, Pleroma-Caribe, 1974. 

LEPP, Ignace. Luzes e Trevas da Alma.SP, Paulinas, 1962. Trad. G. Innocentini. 

________. Higiene da Alma.2a ed. SP, Herder, 1966. Trad. B. de P. Alto 
Notas
(1) KLINE, p. 9.
(2) Em 1999, foi comemorado o centenário da obra de Freud A Interpretação dos Sonhos, trabalho essencial para a interpretação psicanalítica.

(3) MIRA Y LÓPEZ, p.48.

(4) SILVA, Gastão Pereira da, p. 143.

(5) Cf. SILVA, Gastão Pereira da, pp. 40ss.
(6) Cf. p. 103.
(7) "Afeto" em Psicanálise é tudo o que afeta uma pessoa, e não "afeição" conforme o uso comum da palavra.
(8) Cf. p. 103.
(9) Ez 33.30-32.
(10) Nos Estados Unidos utiliza-se a denominação Pastoral Care para designar a soma de atividades pastorais, de cura-de-almas, aconselhamento, capelania, etc.

(11) Cf. OATES, p. 141.

(12) Cf. OATES, pp. 146s.

(13) Cf. TALAFERRO, p. 39.

(14) Cf. TALAFERRO, p. 39.
(15) Cf. TALAFERRO, p. 39.

(16) Op. Cit, p. 34.

(17) Cf. p. 80. Daí o dito psicanalítico de que "Pai não morre".

(18) Cf. BRABANT, p. 25.

(19) Cf. WEISMANN, p. 23.

(20) Cf. p. 75.

(21) Cf. HORNEY, A Personalidade Neurótica do Nosso Tempo, p. 36.

(22) Rm 5.1.

(23) Cf. HURDING, p. 33.

(24) A palavra "Conversão" usada em Psicanálise não tem fundo religioso. Refere-se às reações somáticas provenientes de conflitos ou traumas psicológicos.

(25) ELLIS, p. 27.

(26) Cf. WILLIMON, William H. Worship as Pastoral Care.

(27) Cf. Rom 7.15ss.

(28) Citado por ZILBOORG, p. 128
(29) OATES, p. 20.
(30) Cit. SILVA, Valmir Adamor da, p. 20
(31) Cf Mt 9.1-7; 20-22.
(32) Cf. HORNEY, Novo Rumos na Psicanálise, p. 50.

(33) Cf., p. 171.

(34) Cf. p. 75.
(35) Jó 7.11.
(36) Sl 31.7.
(37) Cf. NUNBERG , p. 154.
(38) Cf. p. 201.
(39) Cf. Mt 22.39.

(40) SMALL sugere como traço adicional à Terapia Breve o que chama de "compreensão interna (insight) que, no caso do pastor/pregador, tem correspondência na Escritura Sagrada: 1Coríntios 12.10; Hebreus 4.12; 5.14.

(41) Cf. MARTINEZ, Vol 2, p. 63.
(42) Jo 8.11.
(43) Cf. 2Pe 3.18; Ef 4.11-13; Jo 10.10.

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