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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

III - “É CORRETO QUE DEDIQUEMOS NOSSA VIDA À SUA GLÓRIA”

III. “É CORRETO QUE DEDIQUEMOS NOSSA VIDA À SUA GLÓRIA”



É assim que começa o Catecismo de Genebra, escrito por Calvino em 1541. Com essa compreensão, os puritanos — dentro da tradição reformada — lutaram para glorificar a Deus no trabalho, sexo e casamento, no tratamento com o dinheiro, na família, na pregação, na vida da igreja, no culto, na educação, na ação social e no estudo das Escrituras.43 Em tudo isto, eles viam a Deus na esfera comum: “A visão puritana de santidade do comum jazia em parte num extraordinário senso da presença de Deus.”44 Não há nada que esteja mais distante da realidade do que as modernas caricaturas dos puritanos. Eles detestavam o moralismo, eram alegres e livres, “novas criaturas.” Douglas Wilson diz, citando C.S. Lewis:

“Devemos imaginar estes puritanos como o extremo oposto daqueles que se dizem puritanos hoje; imaginemo-los jovens, intensamente fortes, intelectuais, progressistas e muito atuais. Eles não eram avessos a bebidas com álcool; mesmo à cerveja, mas os bispos eram a sua aversão.” Os puritanos fumavam (na época não sabiam dos efeitos danosos do fumo), bebiam (com moderação), caçavam, praticavam esportes, usavam roupas coloridas, faziam amor com suas esposas, tudo isto para a glória de Deus, o qual os colocou em posição de liberdade.45

O que quer que eles fossem, não eram soberbos, melancólicos ou severos. Nem mesmo seus inimigos os taxaram assim! Eles olharam a vida através da lente ampla da soberania de Deus sobre todas as áreas da vida, como nos diz Richard Baxter: “Não podes pensar nos vários lugares em que viveste e lembrar de que em cada um deles [ele] teve suas diversas misericórdias?” 46 Toda a vida é de Deus e sua piedade não era monástica, nem mística, nem pietista, mas, no bom sentido da palavra, “mundana.”47 Christopher Hill, professor da Universidade de Oxford, ele mesmo um marxista, afirma:

os homens comentaram amiúde o aparente paradoxo de um sistema baseado na predestinação e que suscita em seus adeptos uma ênfase sobre o esforço e a energia moral. Uma explicação para esse fato postula que, para o calvinista, a fé se revela por si mesma através das obras e que, portanto, o único modo pelo qual o indivíduo poderia ter certeza da própria salvação seria examinar cuidadosamente seu comportamento noite e dia, a fim de ver se ele, de fato, resultava em obras dignas de salvação (...). Os eleitos eram aqueles que se julgavam eleitos, pois possuíam uma fé interior que os fazia sentirem-se livres, quaisquer que fossem suas dificuldades externas.48

A doutrina da providência, assim como a da predestinação, não é a doutrina central da fé reformada,49 mas é um importante impulsor do cristão em sua relação com o mundo, com o mal e com o próprio Deus. O calvinismo então era mais do que um credo; era uma cosmovisão que abrangia todas as áreas da vida, tornando os puritanos ativos e corajosos instrumentos de transformação institucional. Hill, intensamente interessado no “elã revolucionário” que a doutrina da providência legou aos puritanos, afirmou:

Aqueles que mais prontamente aceitaram o calvinismo eram homens cujo modo de vida se caracterizava pela atividade. (...) amparados, então, por uma visão da vida que os ajudava nas necessidades cotidianas da existência econômica; conscientes daquele liame que os unia aos que compartilhavam de suas convicções; percebendo-se a si mesmos como uma aristocracia do espírito, contra quem os aristocratas desse mundo eram uma nulidade; fortalecidos pelas vitórias terrenas que esta moral ajudava a pôr em execução, como poderiam os puritanos deixar de acreditar que Deus estava com eles e eles com Deus? Ao adotarem essa crença, como poderiam deixar de lutar com todo seu empenho?50

Eles caminharam em estreita faixa de terra, equilibrando-se entre a soberania absoluta de Deus e a responsabilidade moral do homem, afirmando-as vigorosamente. Isso os fazia agir diante de qualquer dificuldade com esperança, buscando, de forma alegre, dar-se em auto-sacrifício, em obediência radical ao Senhor Deus.

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